Clássico do Dia: 'West Side Story' colocou o musical com o pé no chão, embasado na realidade

Todo dia um filme será destacado pelo crítico do 'Estado', como este, o único filme, em toda a história, a vencer o prêmio de direção com crédito duplo

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:
5 min de leitura

Em 1961, West Side Story, que seria lançado no Brasil como Amor, Sublime Amor, foi o último filme a receber dez ou mais Oscars. Foram dez estatuetas, uma a menos do que Ben-Hur, de William Wyler, dois anos antes – e se passariam 37 anos até que Titanic, de James Cameron, devolvesse a premiação ao plano dos dois dígitos (ganhou 11). West Side Story também foi o único filme, em toda a história, a vencer o prêmio de direção com crédito duplo, Robert Wise e Jerome Robbins. Mais de 20 anos antes, ...E o Vento Levou já tivera um batalhão de diretores se revezando no set, mas só um recebeu o crédito e o prêmio, Victor Fleming.

Essas conversas de Oscar fazem sentido porque, 60 anos depois, temos de encarar a possibilidade de que outra versãso de West Side Story, assinada por ninguém menos do que Steven Spielberg, possa voltar ao pódio da Academia no ano que vem. Por enquanto, é só isso, possibilidade. Com uma enxurrada de blockbusters na fila para estrear no segundo semestre – quando, se espera, tudo voltará à normalidade -, é difícil prever qual será o espaço que os filmes considerados mais artísticos terão no circuito comercial. The show must go on, e por show entenda-se faturamento, os filmes com mais possibilidade de triunfar na bilheteria. O novo West Side Story leva jeito. Afinal, Spielberg... remake de um clássico. Quem não vai querer ver os novos Jets e Sharks?

Robert Wise já trabalhava na pré-produção quando foi chamado ao escritório do poderoso Harold Mirisch, o Weinstein da época - sem as acusações de sexismo -, e ele lhe perguntou, à queima-roupa, se aceitaria um codiretor? Como assim? Wise podia não ter muito prestígio junto à crítica francesa – Cahiers du Cinéma ironizava dizendo que ele, ao contrário do nome, não era wise -, mas em Hollywood, desde os anos como montador e, depois, nos 1940 e 50, se tornara conhecido e respeitado. Para muita gernte, Punhos de Campeão/The Set-Up, de 1949, é o maior filme de boxe. Mirisch foi diretamente ao ponto. West Side Story era a versão para cinema do musical da Broadway. As cenas de dança haviam feito a glória do show no palco. Jerome Robbins era o diretor e coreógrafo.

'West Side Story' colocou o musical com o pé no chão, embasado na realidade Foto: WARNER HOME

Todo o conceito era dele, e contratualmente Robbins tinha os direitos das danças, que condicionava à possiblidade de interferir em outros aspectos da direção. Isso só seria possível como correalizador. Wise quis tirar o time de campo, deixando a área livre para Robbins, mas Mirisch lhe retrucou que de jeito nenhum. Era um filme muto caro e ambicioso para ser entregue a um estreante sem experiência de cinema. Relutantemente, Wise aceitou, pensando no que seria melhor para o filme. Até hoje os números musicais continuam brilhantes, dinâmicos - de tirar o fôlego. Fizeram uma verdadeira revolução no gêneero. Antes, com Vincente Minnelli, Stanley Donen, Gene Kelly e outros grandes, o musical sonhava. West Side Story colocou o musical com o pé no chão, embasado na realidade.

Apesar de impressionantes, os números musicais criaram problemas. Wise ficava horas com as câmeras prontas, a equipe toda a postos, enquanto Robbins não parava de ensaiar os passos com os dançarinos. A produção atrasou, os custos dispararam. Mirisch de novo chamou Wise, agora para que ele demitisse Robbins. Wise o fez. Pela segunda vez, aceitou fazer o que lhe cobrava a indústria. Em 1942, quando Orson Welles filmava no Brasil It's All True, a RKO exigiu que ele remontasse The Magnificent Ambersons/Soberba. Wise, seguindo Welles, estragou o filme dele. Os cinéfilos dificilmente irão concordar. Wise despediu Robbins, recolocou a produção nos trilhos. Mas autorizou o diretor coreógrafo a montar os números que realizara. Pronto o filme, mostrou-lhe a sua versão, aceitou as sugestões. Robbins manteve o crédito, dividiu o Oscar. Ainda hoje dá para ver, nas imagens de arquivo, que o clima não foi dos mais amistosos entre os dois, na hora dos agradecimentos.

West Side Story transpõe Shakespeare, Romeu e Julieta, para as brigas de gangues de Nova York. Jets e Sharks não apenas substituem Capuletos e Montecchios como potencializam o antagonismo social. Brancos, wasps, contra latinos, chicanos. Nesse quadro de tensão, Tony canta Something's coming, na expectativa de que algo ocorra naquela noite, no baile. Tonight! Ele conhece Maria. A paixão é fulminante, mas você sabe, Shakespeare. Como a de Romeu e Julieta, a história de amor de Tony e Maria não terá final feliz. Com música de Leonard Bernstein, lirics de Stephen Sondheim, o filme tem todos aqueles números que se tornaram clássicos – Jet's Song, Something's Coming, Tonight, Maria, America, Cool, I Feel Pretty, Somewhere, A Boy Like That, I Have a Love.

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De cara, Wise decidiu – foi seu conceito – que os números musicais seriam filmados em cenários naturais. Por facilidade de produção, os bairros periféricos de Los Angeles fizeram as vezes de Nova York nas cenas noturnas. Mais difícil foi decidir como começaria o filme. Estabelecendo de saída o conflito entre as gangues, mas como? Num musical tão realista, colocar a câmera de cara no meio de dançarinos poderia causar estranhamento. Wise teve a ideia, uma coiosa que já queria ter feito no anterior Homens em Fúria/Odds Against Tomorrow, de 1959. Colocou a câmera bem no alto, numa tomada aérea mostrando Nova York como o público nunca vira. O efeito seria muitas vezes repetido, mas começou ali. A selva de pedra filmada perpendicularmente, não a dos pontos turtísticos. A aproximação, a dança, o amor, a morte.

Entre os Oscars que West Side Story recebeu estão melhor filme, direção, ator e atriz coadjuvantes, para George Chakiris e Rita Moreno. Embora Wise credite ao roteirista Ernest Lehman mudanças que foram decisivas na construção dramática – ele alterou a ordem de dois números, Officer Krupke e Cool, em relação ao palco -, o filme não venceu o prêmio de roteiro. O premiado, como roteiro adaptado, foi Abby Mann, por O Julgamento em Nuremberg, de Stanley Kramer. Só para lembrar, o melhor roteiro original foi o de William Inge para Clamor do Sexo, de Elia Kazan, com Natalie Wood, que faz Maria. Natalie foi indicada para melhor atriz, mas pelo Kazan. Ela não canta – é dublada por Marni Nixon -, mas a Mirisch Company (e a United Artists que seria a distribuidora) exigiam uma atriz de peso, para equilibrar o elenco de nomes pouco conhecidos (e até desconhecidos).

Revisto hoje, West Side Story não é perfeito, mas as danças são. O ator que faz Tony é fraco – Richard Beymer -, mas ninguém liga para isso. Chakiris, de ascendência grega, e Rita Moreno, nascida em Porto Rico, são espetaculares como chicanos e entre os jets tem um garoto, Russ Tamblyn, que faz Riff e também é magnífico. Com os defeitos que possa ter, o filme virou cult. Tem os créditos – em formato de grafites – de Saul Bass. Há grande curiosidade pelo novo West Side Story. Apreensão, também. Spelberg arrisca-se. Mas, como dizia Humprey Bogart para Ingrid Bergman em Casablanca, “Sempre teremos Paris”. Sempre se poderá voltar ao home video para ver (e ouvir) Something's coming. E esse something virá.

Onde assistir:

Telecine Play

iTunes

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