Clássico do Dia: Vencedor de 11 Oscars, 'Ben-Hur' só foi superado 40 anos depois

Todo dia um filme será destacado pelo crítico do 'Estado', como este de William Wyler, que fez história em Hollywood nos anos 1950, quando a indústria sofria a pressão da TV

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

William Wyler fez história em Hollywood quando Ben-Hur, indicado para 12 Oscars em 1959, venceu 11, um recorde que só seria igualado quase 40 anos mais tarde, quando Titanic, de James Cameron, também ganhou 11 estatuetas na premiação da Academia, em 1997. Houve, de qualquer maneira, uma diferença notável. Ben-Hur venceu como filme, diretor, mas também como melhor ator (Charlton Heston) e melhor ator coadjuvante (Hugh Griffith). Titanic venceu como melhor filme e diretor, mas os demais nove prêmios foram em categorias consideradas técnicas.

Durante toda a década de 1950, a indústria havia sofrido a pressão da TV como mídia ascendente. Hollywood respondeu com uma onda de épicos – religiosos, como O Manto Sagrado, de Henry Koster, que ajudou a impor um novo formato, o cinemasope, em 1953, e Os Dez Mandamentos, de Cecil B. DeMille, em 1956.

Filme William Wyler fez história em Hollywood nos anos 1950, quando a indústria sofria a pressão da TV Foto: Metro-Goldwyn-Mayer

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Conta a lenda que, quando o produtor Sam Zimbalist contactou Wyler com a proposta da Metro, o diretor teria respondido - “Chama o DeMille”. Wyler era um dos diretores mais respeitados e responsáveis da indústria, vencedor de dois Oscars, por Rosa da Esperança (1943) e Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946), e também apreciado por sua série de refinados dramas psicológicos estrelados por Bette Davis entre 1938 e 41, Jezebel, A Carta e Pérfida.

Um drama religioso não fazia seu feitio, mas Zimbalist foi duplamente persuasivo – propôs-lhe o maior salário até então oferecido a um diretor (US$ 350 mil, mais 8% da bilheteria) e garantiu que o foco seria intimista, centrado na disputa entre Judá Ben-Hur e Messala. No livro do General Wallace, escrito após a Guerra Civil, no século 19, a rivalidade dos dois é importante, mas a história é a da conversão de Ben-Hur. Afinal, Ben-Hur tem o subtítulo, A Tale of the Christ, Uma História dos Tempos de Cristo. Tudo a ver com essa sexta-feira, 10, da Paixão.

Para a Metro, Ben-Hur tornara-se uma questão de vida ou morte. Acossado por perdas, o estúdio, que já arrecadara muito com uma versão muda nos anos 1920 – direção de Fred Nibblo, com Ramon Novarro -, investiu um dinheirão na nova adaptação. Se o filme fracassasse na bilheteria, seria a bancarrota. Para baratear custos, Ben-Hur foi rodado em Roma, incluindo a célebre corrida de bigas. Os problemas avolumaram-se quando Zimbalist teve um ataque do coração, e morreu. Wyler assumiu o posto de produtor executivo e somou mais US$ 100 mil ao salário.

Na trama, Ben-Hur recebe o amigo de infância, Messala, que regressa à Judéia como tribuno do Império Romano. Ambicioso, Messala tenta convencê-lo a ajudar no esmagamento da resistência. Quando Judá se nega, ele usa um incidente para condenar o amigo às galés e colocar sua mãe e a irmã na cadeia, onde elas contraem a lepra. Destituído de tudo – família, linhagem, pois é príncipe -, convertido em escravo, Judá passa a viver para a vingança e ela vem na disputa de bigas.

Ben-Hur encerra um bloco de filmes – Sublime Tentação, de 1956, Da Terra Nascem os Homens, de 58 – que Gabriel Miller agrupa, em seu livro sobre o diretor (William Wyler, University Press of Kentucky), sob a bandeira The Pacifist Dilemma. São todos filmes que abordam a violência em seus múltiplos aspectos – guerra, conflitos individuais e coletivos -, tentando responder à pergunta que não quer calar. Como indivíduos do bem, pacifistas convictos, respondem ao apelo da violência que parece fazer parte do DNA humano? Todo o confronto inicial entre Judá e Messala desenha o tribuno como um nazista, quando ele fala numa solução final, exterminar os judeus. O fundo político é decisivo, e Wyler, vale lembrar, sempre foi um apoiador do Estado de Israel. Mas tem mais – Gore Vidal foi um dos roteiristas, mesmo sem crédito.

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Homossexual assumido, ele levou ao diretor a sua versão do drama. Aquele ódio todo só faria sentido se fosse uma história de amor contrariado. Judá e Messala teriam tido algo mais no passado. Retornando, Messala quis reatar, o outro negou-se. Wyler teria dito que, desse jeito, com a censura da indústria, não haveria filme. Vidal teria retrucado o clássico 'Deixa comigo'. A cena do ultimato, tal como ele a escreveu (e Wyler) filmou, é cheia de reticências. Nada é dito e muito menos esclarecido, mas muito coisa fica subentendida. Ponto para Vidal.

Empenhado na curva dramática e na psicologia dos personagens, Wyler não quis nem saber daquela que se tornaria a cena mais famosa do filme, a do Coliseu. Naquele tempo, não havia a ferramenta do digital para multiplicar multidões. Segundo algumas fontes, chegaram a ser empregados 50 mil (50 mil!) extras. A cena foi inteiramente filmada por Andrew Marton e Yakima Canutt, considerado o maior especialista de cenas de ação de Hollywood desde o ataque dos índios em No Tempo das Diligências, de John Ford, de 1939. Colaboraram o diretor italiano Mario Soldati e o futuro diretor Sergio Leone, antes de estabelecer a própria reputação nos spaghetti westerns.

Amor e ódio – mesmo deslocando o foco do livro, Wyler manteve a importância do Cristo, e construiu o milagre final. Ele reconstitui o Sermão da Montanha e a crucificação. Num episódio anterior, Jesus já saciara a sede de Judá, quando está sendo levado para as galés. A sede de água ou de justiça? O dilema do pacifista. O olhar do Cristo. A busca da paz, em pleno tormento. Na construção do amor é importante Esther, a personagem interpretada por Haya Harareet. (A atriz israelense casou-se em seguida com o diretor Jack Clayton. Ficaram juntos até a morte dele, em 1995.) Lá atrás, nos melodramas, Wyler muitas vezes filmou suas heroínas em cenas de escadarias. Quando Judá volta para a casa destruída (Rastros de Ódio, uma referência a John Ford?), Esther desce a escadaria para tentar aplacar sua dor imensurável. Houve uma versão condensada, recente. O Ben-Hur de Wyler tem quase quatro horas, o de Timur Bekmambetov, de 2016, com Rodrigo Santoro como Cristo, tem a metade. Será apresentado nesta sexta, às 13h45, no Telecine Cult. O de Wyler está disponível no YouTube e no GloboPlay. Para venda ou locação.

Onde assistir:

  • Vivo Play
  • Looke

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