Clássico do Dia: 'M, O Vampiro de Dusseldorf' e a fragilidade humana pelo olhar de Fritz Lang

Na indicação de hoje de Luiz Carlos Merten, 'M', clássico de 1931 com Peter Lorre, o melhor criador de pesadelos da história do cinema

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Por Luiz Carlos Merten
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Fritz Lang visitou os EUA pela primeira vez em 1924. O navio ficou atracado no porto e, olhando as luzes de Nova York, os edifícios, ele disse a Peter Bogdanovich – na entrevista para o livro Fritz Lang na América – que foi ali que concebeu Metrópolis. No começo dos anos 1930, Lang já ostentava a reputação de grande diretor. Revisara os mitos do romantismo alemão (Os Niebelungos), viajara ao futuro (A Mulher na Lua), mas sempre revelando uma particular preferência por mentes distorcidas que querem dominar o mundo (o seriado Der Spinnen e o primeiro Dr. Mabuse, O Jogador). Emendou M, O Vampiro de Dusseldorf, de 1931, com O Testamento do Dr. Mabuse. Foi chamado por Goebbels, o temido ministro da propaganda de Adolf Hitler, que propôs fazer dele o cineasta oficial do Terceiro Reich. Lang desconversou, disse que era judeu, e as restrições aos judeus tornavam-se cada vez mais frequentes na Alemanha. Ouviu de Goebbels - “Nós (os nazistas) decidimos quem é judeu.”

Apavorado, Lang fugiu – primeiro para a França, depois para os EUA, onde construiu mais da metade da sua obra, mas a fase norte-americana demorou muito para obter reconhecimento (pelos críticos da nouvelle vague). Lang fez grandes filmes, dos dois lados do Atlântico. Foi ator de Jean-Luc Godard – em O Desprezo, de 1963. Mesmo assim, há uma espécie de unanimidade. Quando se pergunta a críticos, historiadores, cineastas, qual o maior filme do artista, a resposta invariavelmente é M. Steven Jay Schneider conta uma história interessante no verbete dedicado a M em sua série 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer. O produtor Irving Thalberg promoveu uma sessão de M para o batalhão de roteiristas sob seu comando em Hollywood. Cobrou deles por que ninguém lhe apresenta propostas de filmes tão inovadores, empolgantes e profundos como aquele. Mas, claro, Thalberg sabia que a história de um serial killer de crianças que, no final, é uma vítima da sociedade jamais seria aceita por um estúdio de Hollywood, nem por ele próprio.

Cena de 'M, O Vampiro de Dusseldorf'. Foto: Nero-Film

Peter Lorre faz o assassino. Franz Becker parece inofensivo. Assobia obsessivamente uma ária de O Salão do Rei da Montanha, de Grieg. Aproxima-se das crinças, fica subentendido que abusa delas. Tudo é mostrado de forma sucinta – uma bola abandonada, um balão desgarrado que se prende nos fios de luz. A cidade fica apavorada, e Lang superpõe narração às imagens, o que era uma novidade. A polícia vai toda para a rua, atrás do criminoso. O próprio submundo agita-se, porque suas atividades ficam cada vez mais difíceis. O clima é de paranoia. Um inocente que diz as horas para um grupo de crianças é caçado. Finalmente, o criminoso é identificado, e marcado com o M do título na roupa. Levado para um subterrâneo, é julgado por uma assembleia do crime, todos a exigir justiça. A cena é impressionante. O clima opressivo, a deformação plástica do cenário, a massa robótica, a iluminação de claro-escuro, tudo remete ao movimento expressionista, do qual Lang foi um dos artífices.

Hoje em dia, ao rever M, fica difícil não pensar na cena como representação do nazismo. Toda a sociedade está doente, e logo em seguida começariam os crimes inomináveis, o extermínio em massa do regime hitlerista. Peter Lorre é pungente. No limite do desespero, grita - “Alguém me ajude!” É um dos grandes momentos a expressar a fragilidade humana na história do cinema. Peter Bogdanovich, em seu livro, diz que Lang, como criador de pesadelos, não tem igual. M foi refilmado por Joseph Losey em 1950 (O Maldito) e por Robert Hossein em 1965 (mas O Vampiro de Dusseldorf remete-se muito mais à história real que teria inspirado Lang). Em 1958, e numa produção com roteiro de Friedrich Durrenmatt, Ladislao Vaja fez Es Geschah am Hellitchen Tag, Aconteceu à Luz do Dia, sobre um inspetor que usa a filha da doméstica como isca para tentar prender o assassino de crianças interpretado por Gert Froebe, que seria depois o vilão de 007 Contra Goldfinger, em 1964.

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