Clássico do Dia: Em 'Rebelião', de Kobayashi, só existe grandeza e tragédia

Todo dia um filme será destacado pelo crítico do 'Estado', como este em que o diretor usou espadas de verdade, dando mais autenticidade às cenas

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Por Luiz Carlos Merten
3 min de leitura

Toshiro Mifune já havia encerrado sua parceria com Akira Kuroswa – romperam durante a filmagem de O Barba Ruiva, de 1965 -, quando veio de outro grande diretor a proposta para o que seria o maior papel de sua carreira, talvez a obra-prima de todo o cinema japonês. Muita gente poderá contestar a afirmação, sentir-se incomodada por ela. Os que não concordam têm todo o direito de espernear, mas isso não muda o status privilegiado de Rebelião, de Masaki Kobayashi. O filme foi votado como o melhor exibido na Inglaterra em 1967, mas, naquele mesmo ano, havia sido recusado na competição de Veneza.

Cena do filme 'Rebelião', de Masaki Kobayashi Foto: Toho Company via The New York Times

Só para constar, havia sido um ano muito especial no Lido. O Leão de Ouro foi atribuído a Belle de Jour, de Luis Buñuel, e o prêmio do júri dividido, ex-aequo, entre A China Está Próxima, de Marco Bellocchio, e A Chinesa, de Jean-Luc Godard. Mesmo assim, Rebelião poderia ter ganhado. Deveria? Muito provavelmente. Logo na abertura, o filme mostra dois samurais na demonstração de suas habilidades. Sasahara e Asano são simplesmente os melhores. Interpretados por Mifune e Tatsuya Nakadai, são também amigos respeitosos. Cada um tem consciência da força e da integridade do outro. Mas a vida – o mundo irá colocá-los em rota de colisão.

Na época, e mesmo num cinema japonês com autores da estatura de Kurosawa - Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu haviam morrido -, Kobayashi já era considerado grande. Concebera o monumental Guerra e Humanidade, também conhecido como A Condição Humana, projeto de mais de dez horas, formado por três filmes – Não Há Maior Amor, Estrada para a Eternidade, A Prece do Soldado – que narram a epopeia do pacifista Kaji no front da Manchúria, durante a 2.ª Grande Guerra. Com Harakiri, que venceu o prêmio do júri no Festival de Cannes de 1963 – no ano em que O Leopardo, de Luchino Visconti, ganhou a Palma de Ouro -, forneceu ao gênero jidai-jeki, o filme de sabre, um de seus títulos mais nobres, revisando o código de honra dos samurais. Mas sua maior contribuição a essa vertente veio com Rebelião, todos com o grande Nakadai.

Em países como os EUA, o filme foi lançado como Samurai Rebellion, A Rebelião do Samurai. Sasahara é homem de confiança do chefe do clã, que o força a casar o filho com a amante grávida, que ele repudiou. Sasahara desespera-se, mas o sentido de obediência o força a aceitar. Ele próprio teve um casamento assim, e foi infeliz. Mas a nora é uma revelação – ama o marido e o faz feliz. Seria perfeito, se o chefe do clã não morresse e o filho dele não fosse seu sucessor. Como a mãe do garoto não pode estar casada com outro homem, a situação evolui para que, no limite, Sasahara e o filho sejam condenados ao suicídio forçado. Sasahara rebela-se, enfrenta a guarda do clã. O filho é morto e ele pega o neto, rumando para denunciar a situação ao xogunato de Tokugawa, suprema autoridade do país no período Edo. Em seu caminho surge Asano, dilacerado por um conflito íntimo. Sua fidelidade ao bushido, o código de honra dos samurais, o leva a ter de matar Sasahara, mas ele sabe, que se o fizer, estará indo contra sua ética pessoal, que o leva a admirar a coragem do amigo.

Olha o spoiler. O que faz Asano? Fere o amigo, para mostrar-lhe que é o melhor, mas recua, em reconhecimento à superioridade moral de Sasahara. É a cena mais fordiana que John Ford não filmou. A grandeza dos derrotados. Conta a lenda que Kobayashi, como já fizera em Harakiri, não usou espadas cenográficas, mas espadas de verdade, pesadas, que eliminaram o que seria a coreografia habitual do gênero, até nos filmes de Kurosawa, e somaram mais autenticidade aos combates. Em Yojimbo e Sanjuro, de1961 e 62, Kurosawa já opusera Mifune e Nakadai, mas com vistas à criação, muitas vezes, de efeitos cômicos. Com Kobayashi, só existe grandeza, e tragédia.

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Onde assistir:

  • O filme pode ser comprado em DVD

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