Clássico do dia: 'Clamor do Sexo', uma obra-prima injustiçada

Todo dia um filme será destacado pelo crítico do 'Estado', como este de 1961, de Elia Kazan, cujo tema, por excelência, são as paixões humanas que não podem ser represadas

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Por Luiz Carlos Merten
3 min de leitura

É uma das injustiças históricas da Academia de Hollywood. Elia Kazan recebeu duas vezes o Oscar de direção, por A Luz É para Todos, de 1947, e Sindicato de Ladrões, de 1954, mas sequer foi indicado em 1961, no ano de sua obra-prima, Clamor do Sexo. A Academia preferiu descarregar seus prêmios (dez!) no musical Amor Sublime Amor, de Robert Wise e Jerome Robbins. Natalie Wood foi indicada para melhor atriz, mas não foi pelo papel de Maria em West Side Story, e sim pela Deanie de Splendor in the Grass. A única estatueta que o filme recebeu foi a de roteiro original, para William Inge. Só para lembrar – é o autor da peça Picnic, que inspirou Férias de Amor, e o filme de Joshua Logan concorreu no Oscar de 1955.

O cinema contou muitas histórias de amor de adolescentes. Romeu e Julieta é a mais clássica de todas, mas a de Wilma Dean/Deanie e Bud é especial. De cara, eles estão se beijando no carro de Bud, perto de uma cachoeira – as paixões humanas que não podem ser represadas, tema por excelência do cinema de Kazan. Apesar da intensidade do desejo da dupla, as restrições são imensas. Bud é rico, e o pai dele não vê com muito gosto o amor do filho pela garota do lado errado dos trilhos, isto é, pobre. Para complicar, os EUA dos anos 1920 – o Kansas, no interior do país, em 1925 - são excessivamente puritanos. Se continuar beijando desse jeito, se ceder, Deanie será malvista, como a irmã de Bud, e com o agravante de ser pobre. Mas, talvez, nem seja tanto a questão social, porque a mãe de Deanie também acha que a filha não está pronta e faz tudo para separar o jovem casal. O pai de Bud envia o filho para longe, Deanie tem um colapso nervoso e a cena, com certeza, foi decisiva para a indicação para o Oscar.

Cena de Clamor do Sexo Foto: Warner Bros.

Natalie Wood vinha fazendo na época, com sucesso, a passagem de atriz mirim para adulta. Warren Beatty ainda era apenas o irmão talentoso de Shirley MacLaine – ninguém apostaria no desenvolvimento posterior de sua carreira, que o levou até a ganhar um Oscar de direção, por Reds, em 1981. O elenco todo é genial, conduzido com a habilidade que Kazan adquiriu no teatro (e no Actor's Studio) com atores do chamado 'Método'. Barbara Loden, que faz a irmã, é magnífica. Kazan casou-se com ela, Barbara dirigiu um filme cultuado – Wanda, de 1970 - e morreu ainda jovem, de câncer. Jovem, jovens. Clamor do Sexo foi dos primeiros filmes a dramatizar o choque de gerações, o Generation Gap, que seria um tema dominante nos anos 1960.

Na escola, Deanie e Bud ainda são jovens demais para entender o poeta que a professora de litetatura coloca em discussão: Woodsworth. Um verso dele termina servindo de epígrafe - “Nada trará de volta a hora do esplendor na relva, do brilho nas flores.” A grande História, com maiúscula, termina interferindo nas pequenas vidas. O crack da Bolsa, em 1929, destrói a família de Bud. Anos mais tarde, os jovens amantes reencontram-se. Nós que nos amávamos tanto. Deanie virou uma mulher madura, sofisticada. Bud está pobre, ligado a uma mulher que não para de engravidar. Olham-se, e o sentimento de perda irreparável vira superação para Deanie. Só aí ela entende o significado do poema. O tempo passou. O amor, também. Sobrou o quê? William Inge era dramaturgo consagrado, esse foi seu primeiro roteiro diretamente para cinema. Como François Truffaut gostava de dizer, a idade cai bem nas obras que o tempo respeita.

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