'Classes A e C são parecidas em matéria de gosto', diz diretor do 'Zorra Total'

No set do longa 'Até Que a Sorte nos Separe', o lendário diretor fala de política, futebol e humor

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ele consegue ser naturalmente engraçado. Você não consegue conversar com Maurício Sherman, cinco minutos que seja, sem dar boas risadas. E, quanto mais sério ele for, mais o humor brotará, espontâneo. Maurício Sherman conversa com o repórter do Estado no set de Até Que a Sorte nos Separe. A comédia de Roberto Santucci terminou de ser rodada na semana passada. Neste dia, o set realiza-se no Floresta Country Clube, em Itanhangá/Barra da Tijuca. São duas da tarde e Maurício Sherman filma daqui a pouco uma cena decisiva - a partida de tênis.

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O sol é de rachar lá fora, mas Sherman está resguardado no camarim improvisado. Aos 81 anos, veste-se comme il faut para o tênis - calça branca, tênis e a Lacoste. Sherman dispara sua metralhadora verbal, nem se dando conta da quantidade de frases de efeito que produz. Fisicamente, ele se parece com o lendário Lee Strasberg, fundador do Actor’s Studio, a quem Francis Ford Coppola ofereceu um papel inesquecível - de gângster judeu - no segundo filme da saga de O Poderoso Chefão. E, embora sua trajetória seja mais ligada à história da televisão no País - dirige o Zorra Total, na Globo, fez história na linha de shows com Noite de Gala, também na Globo, e Bar Academia, na Manchete -, Sherman começou no teatro, dirigido por Paulo Francis.

O caro Francis (do documentário de Nelson Hoineff) foi, e ainda é, um dos intelectuais mais polêmicos da história do País, com destacada atuação na TV. Sherman é um admirável contador de histórias. Conta como fez cinema. “O produtor Jarbas Barbosa, irmão de Chacrinha, havia conseguido os direitos para filmar a Copa do Mundo na Argentina. O ano era 1978 e os militares, que haviam instalado uma ditadura, queriam ganhar a Copa a qualquer preço. Era importante para o projeto deles. O Jarbas levou uma equipe de malucos para filmar todos os jogos. De cara, os cinegrafistas fumaram uns baseados e perderam a abertura. No final, tínhamos centenas de horas de material, mas não a abertura.”

Sherman foi o montador do filme, que se chamou O Poder do Futebol. Glauber Rocha não deixou por menos e dizia que era o melhor filme sobre o esporte que havia visto. “Naquele tempo, eu era de esquerda”, conta Sherman. E hoje, o que ele é? “Eu até acho que continuo sendo, os esquerdistas é que foram para o poder e viraram de direita.” A repressão comia solta na Argentina e Sherman teve a ideia de começar o documentário de forma ficcional. Num canto escuro, uma esquina, encontram-se dois homens. Um deles, presumivelmente ligado aos movimentos de resistência, diz que os Montoneros vão dar uma trégua aos militares. “E que comece a Copa.”

O ponto alto dessa experiência foi quando Jarbas Barbosa e Sherman foram mostrar o documentário na sede da Fifa, em Genebra. “Nunca vi tanto bandido junto na vida”, resume. Os militares argentinos, como era de prever, detestaram o filme. Queriam se apropriar da cópia: “Mas eu fugi com as latas, pelas ruas de Genebra, perseguido por eles. Era coisa de filme. (João) Havelange nunca nos perdoou”. Dessa experiência na Copa da Argentina, Sherman guarda outra lembrança. O técnico argentino, César Luís Menotti, era um cara de esquerda, que foi cooptado pelos militares. Um dia, ele chamou a equipe de cinegrafistas de Sherman e disse que ia mostrar o maior jogador da Argentina, do mundo. “Veio aquele índio meio raquítico. Até brinquei - mas esse cara vai conseguir chutar a gol?” Era Maradona, na fase pré-Dom Diego.

Seria possível conversar horas com Sherman - sobre cinema, teatro e televisão, sobre a vida em geral. Mas é preciso falar sobre o filme de Santucci. “Foi um convite muito simpático deles. Parece que foi o Leandro (Hassum) quem teve a ideia e o Roberto (o diretor) achou que seria legal. Já filmamos nossas falas, hoje vai ser só o jogo de tênis.” Naquele calor infernal, Sherman avisa que vai ser difícil até segurar a raquete.

“Se me pedirem para estender muito o braço, não sei se vou conseguir”, conta. A partida de tênis é uma dupla metáfora - sobre a excessiva importância do dinheiro na vida das pessoas (“Todo mundo só pensa em gastar”) e sobre quanto se arrisca, às vezes inutilmente. A pedido do repórter, Sherman faz um curto resumo de sua vida. “Nasci em Niterói e me formei em direito. Casei cedo, formei família e isso me obrigou a assumir responsabilidades.”

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Em vez do tribunal, foi parar no teatro e, depois, na TV, que engatinhava. Sherman tem um carinho especial pelo Zorra, seu programa da vez. “A ideia de fazer dentro do vagão do metrô foi minha. Acho que foi uma boa ideia, inovadora, mas no início causou estranhamento, até que as pessoas se acostumassem.” Os críticos falam mal, exceto pelo quadro, hilário, da biba com a amiga. Valéria, ex-Valdemar, maltrata Janete. “A química entre Rodrigo Sant’Anna e Thalita Carauta é muito boa. Ele é muito talentoso. Surgiu no programa do Trapalhão (Renato Aragão), mas lá não encontrou muito espaço. Acho que era bom demais”, ironiza. Os DVDs do quadro vendem feito água nas bancas. “Avisei na Globo que seria um sucesso, mas a realidade superou nossa expectativa. É uma coisa tipo Tropa de Elite, não dá para ter controle do que deve ser a venda desses DVDs pirateados. O povo adora. Intelectual é que despreza.”

Zorra Total é muito criticado por ser humor para a classe C. O que você pensa disso?

Ah, mas isso é classificação de intelectual. Eles é que têm preconceito. Não consigo levar a sério essa divisão de classes. A A e C são muito parecidas em matéria de gosto, no Brasil. Frequento muita festa de grã-finos e eles conhecem todos os bordões dos personagens do Zorra. E o programa é divertido. A ideia do metrô deu certo e os personagens ganharam o público. A Dilma é aquela coisa. Igualzinha. A Valéria e a Janete são maravilhosas. A alma do programa é a paródia, o deboche, e isso é muito brasileiro.

Justamente a dupla Valéria/Janete. Em bancas de jornais, os DVDs do Zorra, com seleções de cenas das duas, atraem muito o público. Isso o surpreende?

De maneira nenhuma. Thalita é ótima, Rodrigo se transforma em cena. E ele faz aquilo com a maior humildade. A merda é o preconceito. Eu mesmo sou de classe média e já fui um p... de um preconceituoso. Uma vez me propuseram um programa com a Dercy (Gonçalves) e eu disse que, com ela, não. Olha que pobreza.

Existe uma fórmula de humor?

Existem várias, mas eu acho que o que o humorista não pode ter medo é de ousar, expondo o ridículo da humanidade.

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