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Cinema nacional: público cresce 42%

Por Agencia Estado
Atualização:

Tudo somado, não foi um ano ruim para o cinema brasileiro. Em termos quantitativos: com 23 longas-metragens lançados no mercado interno, teve 42% a mais de público do que em 1999 - 5.806.144 ingressos vendidos contra 4.088.870 do ano anterior (cifras da publicação Filme B, de Paulo Sérgio Almeida). Claro, boa parte desses números se devem a filmes como Xuxa Popstar ou Anjo Trapalhão. Mas mesmo o cinema de qualidade emplacou boas bilheterias, como foram os casos de Auto da Compadecida, de Guel Arraes, e Eu Tu Eles, de Andrucha Waddington. Comparado com o quadro geral, no entanto, o panorama é preocupante: com todo esse crescimento, os filmes brasileiros não chegaram a 6% do mercado interno, uma fatia ainda muito pequena. Não há fórmulas em cinema e cada caso é um caso. Mas filmes como Auto da Compadecida e Eu Tu Eles podem sugerir algumas reflexões. Entre elas, a de que nem sempre sucesso de bilheteria está associado a baixo nível. Certo, são exceções à regra, mas indicam caminhos para que o cinema brasileiro possa atingir o seu público, como já o fez no passado e faz agora, às vezes. Seguem a fórmula do tom farsesco, indicam modos espertos e irônicos de contornar problemas. Estão próximos daquilo que acontece na vida real dos brasileiros, com sua tendência a acomodações de conflitos - o "jeitinho", em suma, tão nacional e popular quanto o café, o carnaval e o programa do Ratinho. Nem só de espírito cordial, para usar a surrada expressão de Sérgio Buarque de Hollanda, viveu o cinema nacional no ano 2000. Pelo contrário. Alguns dos seus melhores filmes vieram do trabalho com o contraditório, com a fricção, com aquilo que há de inconsistente e trágico na sociedade brasileira. São os casos de filmes como Amélia, Estorvo, Quase Nada, Rap do Pequeno Príncipe, Através da Janela e Cronicamente Inviável. Foram filmes que fizeram seus caminhos, de uma maneira ou de outra. Amélia trouxe de volta Ana Carolina, diretora havia muito ausente das telas, com um trabalho inspirado sobre o choque cultural e sua função na gênese da sociedade brasileira. Estorvo, de Ruy Guerra, outro veterano que não filmava há vários anos, foi, para alguns críticos (entre eles, este que escreve) o filme de maior impacto do ano. Adaptando o romance de Chico Buarque, Ruy inova e radicaliza nessa radiografia impiedosa do Brasil dos anos 90. Filma com a liberdade e sentido de invenção de um jovem de 20 anos, somados à experiência de quem já dirigiu clássicos como Os Fuzis e Os Cafajestes. Igualmente impiedoso, talvez mais, ainda que não tão inventivo em termos formais quanto Estorvo, é Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi. Talvez tenha sido o filme brasileiro mais polêmico do ano, pelo menos em alguns círculos. Houve quem o achasse cínico por não apontar saídas para o impasse nacional - como se esta fosse uma obrigação de artistas. Na história contada, ninguém presta, e poucas vezes se traçou um retrato tão cru da sociedade brasileira. Da elite aos sem-terra, passando pela classe média, todos têm sua culpa no cartório. Trabalho de moralista, no bom sentido, que exacerba defeitos e exagera na caricatura para expressar sua indignação diante de uma realidade social pouquíssimo edificante. Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, também aponta para o lado escuro da organização social brasileira. No caso, a violência da periferia (do Recife, mas extensiva a qualquer periferia) contada em dois casos exemplares, e complementares, um rapper e um matador que nascem de um mesmo local e uma mesma condição social. Boa surpresa foi Quase Nada, produção pequena, artesanal, de Sérgio Rezende, que vinha de trabalhos muito mais caros e voltados para o mercado como Guerra de Canudos e Mauá, o Imperador e o Rei. Desta vez, em iniciativa quase doméstica, Rezende investe no texto, nos atores e numa proposta original: o mal-estar, em geral associado à cidade, agora é localizado no campo. Para o ano que vem, já há pelo menos uma bela estréia garantida, para março ou abril: Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky, vencedora do Festival de Brasília. Um filme raçudo, de impacto e denúncia do repressivo sistema psiquiátrico ainda em vigência no País. Levantou a galera durante o festival. Tomara repita a dose em sua estréia comercial. Merece toda a atenção.

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