Cinema na América Latina cresce, mas escondido do seu público

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Por FERNANDA EZABELLA
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Há boas notícias vindo do cinema produzido na América Latina, embora muitas vezes elas tenham que dar a volta ao mundo para alcançar os próprios cinéfilos latino-americanos. Enquanto um otimismo parece prevalecer com os incentivos de governos ao cinema de países como Venezuela, México e Equador, o resultado final não consegue ser exibido em sua própria região, por sinal inundada por longas norte-americanos de grande orçamento. "Mesmo estando tão próximos, é muito difícil ver filmes latino-americanos na America Latina", disse à Reuters o diretor equatoriano Daniel Andrade, que exibiu na 31a Mostra Internacional de São Paulo seu filme de estréia, "Esas No Son Penas", sobre mulheres em Quito. "Para ter uma idéia, 'Cidade de Deus' e 'Central do Brasil' só chegaram ao Equador por causa de distribuidoras norte-americanas. 'Carandiru' nem chegou por lá", completou. O monopólio das grandes distribuidoras de cinema dos Estados Unidos e da Europa, além da falta de um mercado em comum na América Latina, foi tema recorrente nos debates do festival, que trouxe diretores de várias partes da região. Segundo eles, seus filmes precisam chegar a festivais de cinema internacionais, como Cannes ou Veneza, para conseguir algum destaque na mídia e ser comercializados mundo afora, incluindo América Latina. O distribuidor independente e exibidor brasileiro Adhemar Oliveira, que cuida de salas como Espaço Unibanco e Cine Bombril, contou que a fraqueza do mercado local o fez viajar à Europa para poder exibir aqui quatro ou cinco filmes latino-americanos, incluindo o premiado chileno "Machuca". "Bastaria se os filmes tivessem um carimbo cultural ou se houvesse uma livre circulação nas fronteiras, para incentivar a troca de produtos", disse Oliveira. "Mas junta um universo espiritual de submissão (aos filmes que ganham destaque no exterior) com a inexistência de mercado." PIRATARIA No Brasil, que ao lado da Argentina e México tem a indústria mais movimentada do continente, há dificuldade de absorção dos próprios filmes nacionais, cerca de 70 por ano, mesmo em um mercado com mais de 2.000 salas de cinema. Com isso, uma parceria entre Brasil e Cuba acabou não se concretizando. "Como arrumar espaço no mercado, hegemonizado pelo filme norte-americano, para toda produção brasileira e também para cinco títulos cubanos, obtidos por 'escambo'?", perguntou a pesquisadora Maria do Rosário Caetano, que mediou debates na Mostra de SP. Uma forma de driblar essa escassez cinematográfica dentro de seu próprio continente acaba sendo as cópias piratas, como acontece na Bolívia, país que não desfruta do mesmo otimismo de seus vizinhos, segundo o diretor Marcos Loayza. "As pessoas que gostam de cinema na Bolívia têm duas opções. Ou viajam para fora ou compram cópias piratas", disse à Reuters Loayza, que exibiu seu quarto longa-metragem em São Paulo, o documentário "El Estado de las Cosas". "E nas cópias piratas, existe de tudo (...) há como que um circuito cultural dentro da pirataria, há como achar cinema latino-americano, grego, iraniano", continuou o diretor, afirmando que seu país tem menos de 50 salas de cinema. NOVO IMPULSO As produções de filmes na Venezuela, que alguns anos atrás não passavam de meia dúzia por ano, vão praticamente triplicar em 2008, graças ao governo protecionista de Hugo Chávez. A diretora venezuelana Mariana Rondón, que visitou São Paulo para exibir seu segundo longa, "Postales de Leningrado", contou como foi complicado distribuir seu filme de estréia, em 1999, que não foi sequer exibido na Venezuela simplesmente porque os distribuidores não estavam interessados. "Foi radical assim!", disse Rondón, cujo filme recente foi indicado pela Venezuela para disputar o Oscar 2008. Desta vez, o novo trabalho está em cartaz há cerca de 10 semanas na Venezuela, graças a uma nova lei que obriga distribuidores a dar duas semanas de sala aos filmes nacionais. Se o filme for bem, continua em exibição. O governo do Equador, país que às vezes não passa de três lançamentos por ano, dará uma ajuda financeira para três ou quatro filmes em 2008. E o México, com sua indústria mais estabelecida, também aproveitará leis recém-aprovadas, onde empresas podem investir em projetos e deduzir do imposto de renda. "Há uma pequena revolução do cinema acontecendo no México, com muitas pessoas e empresas cheias de dinheiro", disse o diretor mexicano Sergio Umansky, que também estreou em longa-metragem este ano, com "Mejor es que Gabriela no se muera", uma sátira das telenovelas. "Mas espero que os filmes comecem a ser conhecidos, vistos, e não só os de estúdios grandes", acrescentou Umansky, que passou sete meses procurando uma distribuidora, sem sucesso até agora.

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