Cinema latino mostra força em Cannes

Festival francês começa hoje, com boa participação de latinos, homenagem ao Cinema Novo e, claro, muita controvérsia Clique para conhecer os candidatos à Palma Clique para conferir presença brasileira em Cannes

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Por Agencia Estado
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A partir de hoje e até o dia 23, a nata do cinema mundial - la crême de la crême, como dizem os franceses - desfila pelo tapete vermelho do 57.º Festival International du Film, em Cannes. O mais importante festival de cinema do mundo organizou uma seleção para cinéfilo nenhum botar defeito. A mostra será vitrine de lançamento para os novos filmes de alguns dos maiores ou mais badalados diretores do mundo - o documentarista americano Michael Moore, os diretores de ficção Emir Kusturica, Wong Kar-wai e Kore-Eda Hirokazu, o primeiro duas vezes vencedor da Palma de Ouro. A grande festa do cinema será inaugurada hoje com La Mala Educación, de Pedro Almodóvar, com Gael García Bernal, o ator de Diários de Motocicleta, fazendo um travesti. Almodóvar promete arrebentar na Croisette com o filme que evoca seus verdes anos na movida, quando o fim da ditadura do generalíssimo Francisco Franco promoveu o desbunde geral no país. Será um ano muito especial para o Brasil. Cannes vai colocar o foco sobre o cinema brasileiro, homenageando o Cinema Novo numa mostra especial, além de incluir filmes ligados ao País - o longa Diários de Motocicleta, de Walter Salles, o curta Quimera, de Erik Rocha e Tunga - na competição. O foco não estará só no Brasil. A América Latina ganha uma importância extraordinária, com diversos filmes participando da competição ou sendo exibidos em mostras paralelas. Diários, embora produzido com capitais da Inglaterra e da França, é um filme latino. La Niña Santa, de Lucrecia Martel, da Argentina, com participação francesa, é outro título importante da competição. Será um festival marcado pela política. Michael Moore, que usou a vitrine de Cannes para promover Tiros em Columbine há dois anos, assumindo-se como liderança contra o presidente George W. Bush - o maior alvo de seus ataques -, com certeza não vai perder a oportunidade de fazer do novo documentário, Fahrenheit 911, a ponta de lança de sua pregação contra a reeleição do presidente americano. A política se faz presente em outros filmes - no de Lucrecia Martel, de novo recolhendo na crise moral da nação o subsídio estético para outra obra que poderá ser tão poderosa quanto Pântano; e no Walter Salles, que reconstrói a utopia revolucionário no sonho do jovem Alberto Guevara, na sua fase pré-Che. A pergunta que não quer calar é - o que esperar de um júri presidido por Quentin Tarantino? Ele estará à altura da complexidade do momento atual? Com sua preferência assumida pelo filme B, terá condições de avaliar a diversidade das obras que compõem a competição deste ano? O presidente não é, necessariamente, dono do júri, embora se possa argumentar que ele pode influenciar os jurados - e, neste caso, Tarantino pode ter um forte aliado em Tsui Hark, o diretor de ação de Hong Kong que foi uma das suas fontes de referência para fazer Kill Bill. Justamente Kill Bill - escreveram-se quase tantas asneiras sobre o filme em cartaz na cidade como sobre Diários de Motocicleta, na tentativa de denegrir um e outro. Kill Bill 2 será exibido em Cannes numa homenagem ao diretor. Conhecendo-se a babel de Cannes, dá para antecipar que será a sessão mais concorrida de todas. Não representa pouca coisa. Cannes é o maior evento midiático do mundo. Tem mais jornalistas credenciados do que a Olimpíada e a Copa do Mundo. Todos estarão de olho em Tarantino. Vai sair do muro, integrando-se à frente de Michael Moore contra Bush? Cinema é ética ou estética? O foco na política não poderá diminuir o caráter "artístico" da seleção e da premiação? Mais de 3.500 filmes - exatamente 3.562 - foram apresentados à comissão de seleção coordenada por Alain Frémaux e ele selecionou os 56 que compõem a seleção oficial, nas mostras competitiva de curta e longa-metragem e na prestigiada seção Un Certain Regard. Cada vez há mais controvérsia na avaliação dos critérios dessa seleção. A revista Variety, que defende os interesses de Hollywood, disse que a seleção do ano passado privilegiava os filmes com participação francesa na produção. O grande vencedor da Palma de Ouro, de qualquer maneira, foi um filme americano - off-Hollywood, Elefante, de Gus Van Sant. Diários tem participação francesa, La Niña Santa foi escrito por Lucrecia Martel na França, graças a uma bolsa que ela recebeu. A polêmica deve continuar este ano. Cannes não seria a mesma coisa sem controvérsia. O festival é suficientemente amplo para fazer coexistir, com a parte artística, a dimensão comercial do cinema. Há um mercado no qual o que menos se discute é qualidade - o que importa, ali, é se o filme vai dar dinheiro ou não. Esse lado que os críticos consideram menos nobre chega à seleção oficial, pois Tróia, de Wolfgang Petersen, que estréia sexta-feira no Brasil, integra a mostra oficial como Madrugada dos Mortos, de Zach Snyder, e nenhum dos dois pode ser considerado uma grande obra de arte (embora o segundo possua elementos muito interessantes, numa análise de fundo mais sociológico ou comportamental). Há um festival paralelo de filmes pornôs. E existem as lições de cinema. Todos os anos, um grande do cinema dá a sua lição de como fazer filmes. Este ano, o professor será Stephen Frears e o interessante é que Cannes amplia as aulas. Haverá mais duas Master Classes - uma de ator, com o bergmaniano Max Von Sydow, e a outra de música, a cargo de Lalo Schiffrin. O repórter viajou a convite da organização do festival

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