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Cinema iraniano retoma mote do crime frustrado

Ouro Carmim, de Jafar Panahi, inscreve o cinema iraniano na grande tradição dos filmes de crimes que não dão certo

Por Agencia Estado
Atualização:

Na primeira seqüência, a câmera fica parada, mas há bastante movimento no quadro: um assalto a uma joalheria, um bandido que fica preso em uma armadilha, um suicídio. Após o tiro, o que se tem é o flash-back que revive a trajetória daquele personagem. Ouro Carmim, de Jafar Panahi, coloca o cinema iraniano no interior daquela grande tradição dos filmes de crimes que não dão certo - O Segredo das Jóias, de John Huston, Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, e tantos outros. Dialoga também com o tema da ambição, como O Tesouro de Sierra Madre, também de Huston, e o clássico Ouro e Maldição, de Erich von Stroheim. Enfim, há uma tradição cinematográfica por trás desse filme, rodado a partir de um roteiro de Abbas Kiarostami. Essa tradição assinala que crimes e criminosos têm de ser entendidos em relação ao seu meio ambiente, o que se não chega a ser uma tese exclusiva de esquerda, pelo menos de direita não é. Para esta, um criminoso é o único responsável por seus atos e para entender um crime é necessário e suficiente entender a psicologia do criminoso. Aliás, Machado de Assis, que não pode ser tachado de escritor de direita, dizia que a ocasião faz apenas o furto - o ladrão já nasce feito. Bem, a discussão é interminável, mas de qualquer forma, Ouro Carmim prefere dirigir seu olhar tanto para o criminoso quanto para o funcionamento da sociedade onde ele vive e comete crimes. Essa opção causou a Panahi não poucos problemas com a censura. Afinal, sempre é mais confortável jogar a responsabilidade dos desvios sobre as costas largas dos indivíduos, ainda mais quando estes são a arraia-miúda da sociedade. No caso de Ouro Carmim trata-se de um volumoso motoqueiro, assaltante de bolsas femininas durante o dia, entregador de pizzas à noite. O filme, além disso, é um longo passeio pelas ruas de Teerã, de uma maneira jamais mostrada pelo cinema recente. Panahi empenha-se em mostrar esse entregador de pizzas em passagem vertical pelos diversos estratos sociais dessa cidade. Atende a chamados de ricos e de pobres. Entra na casa de gente solitária e testemunha a polícia acabar com uma festinha de embalo de jovens burgueses. Enfim, um retrato sem retoques, que muito lembra a opção neo-realista embutida no fundo do novo cinema iraniano e que, num primeiro momento, foi confundida com a opção por atores não-profissionais. Esta também existe, mas não é o fundamental. Mais importante é essa característica intrinsecamente política de um cinema dedicado à crítica social - tanto mais necessária quanto inassimilável pela sociedade de onde ela brota.

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