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Cinema francês conquista os EUA

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, de Jean-Pierre Jeunet, é extravagante. Amélie (Audrey Tautou) trabalha num café parisiense e leva sua vidinha sem graça até se apaixonar por um tipo estranho, Nino (Mathieu Kassovitz), empregado em um sex shop

Por Agencia Estado
Atualização:

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain chega cercado de alguns adjetivos extravagantes. Grande sucesso do cinema francês contemporâneo, vendeu mais de 8 milhões de ingressos em seu país. Atravessou o Atlântico e fez sucesso nos Estados Unidos, tradicionalmente avesso a produções alienígenas. É tido como favorito para o Oscar de filme estrangeiro. Enfim, um fenômeno. A história, filmada por Jean-Pierre Jeunet, é também extravagante. Pelo menos na maneira como é contada. Amélie (Audrey Tautou) trabalha num café parisiense e leva sua vidinha meio sem graça até que se apaixona por um tipo estranho, Nino (Mathieu Kassovitz), empregado em um sex shop. Dito assim parece uma comédia romântica - e o filme é isso mesmo. O que nem essa classificação nem a sinopse contam é o estilo adotado por Jeunet para narrar a história. Para apresentar a personagem, o diretor recua à infância dela, mas de maneira pouco convencional. Por exemplo, o pai de Amélie é retratado como um homem frio. As únicas vezes em que se aproxima da filha é para medir a sua pulsação. Com essa proximidade, a menina fica emocionada, seu coração dispara. Daí vem a conclusão de que se trata de uma criança com problemas cardíacos e passa a ser criada de maneira diferente. Já mocinha, Amélie é descrita como uma jovem de prazeres simples. Tipo: enfiar a mão num saco de cereais, quebrar com a colher a crosta de um bolo, atirar pedrinhas no Canal de Saint-Martin, perto de onde mora. Prazeres singelos. Tentou namorar, uma ou duas vezes, não se interessou. Até a entrada em cena de Nino. Bem, é isso. O resto é estilo e nem sempre da melhor qualidade. Em todo caso, a estratégia de Jeunet, bem-sucedida a se julgar pelos resultados, é adicionar mágica à aridez do mundo. A Paris na qual a trama acontece é uma cidade de sonho, fotografada de maneira hiper-realista. Aos penduricalhos pós-modernos (como o artista amador que passa a vida mimetizando os grandes mestres da pintura) soma-se o ar retrô de uma cidade cosmopolita e ainda assim doméstica, suburbana. Por exemplo, do alto de Montmartre, quem espia pelo parapeito do Sacré-Coeur vê lá embaixo a cidade imensa, mas pode também passear pelas ruazinhas bucólicas ao lado da Place du Tertre. É nesse mundo mestiço, feito de fantasia e um resto de referências reais, que Amélie se move. Não daria certo não fosse a presença de Audrey Tautou. Grande atriz? Não, e nem daria para dizer isso nesse tipo de filme. Mas ela é uma gracinha. Olha o mundo com inocência e consegue passar isso. Quer dizer - e talvez seja essa a chave do sucesso - reintroduz encanto num mundo desencantado. Nesse mundo mágico imaginado por Jeunet pululam seres estranhos, como o artista amador, a vendedora de cigarros hipocondríaca, o caixa da loja de artigos eróticos, e, sobretudo a própria Amélie. Que um dia decide, regida pelo acaso, que vai fazer o bem aos outros. Esse é o seu mundo: boas intenções e frágil contato com a realidade. O filme é esse devaneio, pontuado por certo barroquismo, e isso deve ter seduzido o público que, mais do que nunca, anda correndo atrás de evasão.

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