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Cinema do Tadjquistão chega às locadoras

Sai em vídeo Luna Papa, original e poético filme de Bakthiar Khudojnazarov

Por Agencia Estado
Atualização:

Sim, o Tadjquistão, uma das ex-repúblicas soviéticas, também tem cinema. E cinema da melhor qualidade, como é o caso deste Luna Papa, filme de grande inventividade visual dirigido por Bakthiar Khudojnazarov. Não se deixe impressionar pelo exotismo e vá em frente. Exerça um pouco de relativismo e reconheça que, no Tadjquistão, um nome como José da Silva deve parecer impronunciável. Mesmo porque, tirando os nomes diferentes e a língua intransponível, tudo o mais é reconhecível. Pelo menos para quem tenha a disposição de acompanhar uma história contada em tom de fábula ou sonho. Há, em Luna Papa, uma clara evocação do dom imaginativo de um Fellini, por exemplo, quando a realidade faz fronteira meio imprecisa com a fantasia. Mas trata-se de um Fellini com toques de Emir Kusturica, o grande diretor bósnio de Underground e Arizona Dream. A fantasia é felliniana, o ritmo dialoga com a estética cigana de Kusturica. Receber e assimilar influências é da vida. Inevitável, em arte. Transformar essas influências em algo original é algo que se exige de qualquer criador digno desse nome. E Khudojnazarov digere as lições de seus modelos e põe no mundo algo novo. Não por acaso é de uma gravidez e um parto que trata Luna Papa. A personagem central é Mamlakat, uma garota de 17 anos que deseja ser atriz. A mãe morreu. O pai é um criador de coelhos meio biruta. O irmão ficou abobado depois de ferido na guerra. Um dia, Mamlakat é seduzida por um ator itinerante. Fica grávida. Ele some, a garota e família são obrigados a enfrentar o preconceito da comunidade, que hostiliza a futura mãe solteira. A família sai atrás do pai desconhecido. Khudojnazarov mostra uma região devastada pela guerra. Aviões dão vôos rasantes. Patrulhas de mercenários assolam as estradas. Há carência de tudo e parece não haver nenhuma instância mediadora para socorrer às pessoas. Cada qual se vira como pode. Nesse universo hobbesiano, de guerra de todos contra todos, o cineasta tem o topete de abrir uma janela para o lirismo e a fantasia. É o que faz o encanto de Luna Papa. Além do tratamento visual vigoroso, o diretor recorre ao insólito, como entregar parte da narração ao feto que se desenvolve no útero de Mamlakat; vacas caem do céu, podendo matar pessoas desavisadas, e o teto de uma casa se transforma num insólito tapete voador. Um mundo caótico, violento, mas no qual a beleza ainda é possível. Não é difícil enxergar nesse filme original uma tentativa, talvez desesperada, de entender o que está acontecendo em Estados como o Tadjiquistão. Depois que a velha ordem foi abolida e a nova ainda não se instaurou o que resta às pessoas senão apelar para a criatividade e a poesia? Luna Papa. Tadjiquistão, 1999. Direção de Bakhtiar Khudojnazarov. Vídeo da Cult Filmes, nas locadoras.

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