Cinema digital é imbatível, até o projetor quebrar

Quebra do projetor digital da Sala Uol abriu as portas para o debate sobre cinema digital promovido pela 24ª Mostra Internacional. Mas a tecnologia vem, e para ficar

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Por Agencia Estado
Atualização:

Depois do diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Leon Cakoff, fazer um breve discurso e apresentar o diretor e cartunista Humberto Santana, começou a exibição do filme Angelitos. A diferença das imagens de abertura da Mostra, passadas de um projetor normal, para as primeiras cenas do filme com os personagens do cartunista paulistano Angeli, projetadas por tecnologia digital, é surpreendente. Talvez porque a animação também tenha sido feita em suporte digital, o que na verdade pouco importa. Cores muito mais vivas, contornos mais precisos, imagem mais definida, ausência de riscos na tela: assim é essa nova tecnologia, que otimista vem se anunciando cada vez mais alto para o mundo do cinema. Angelitos é o resultado de uma co-produção televisiva da brasileira TV Cultura e da lusitana RTP. As animações trazem as tiras do universo de tipos caricatos criados por Angeli: Rê Bordosa, Osgarmo, Woody & Stock, Skrotinhos, etc. Com um minuto de duração, devem ser exibidas nos intervalos comerciais de alguma dessas redes de televisão que as produziram. Essas 60 pequenas historietas realizadas pelo português Santana são divertidas e impactantes na telona. Para a mostra, incomodou um pouco o fato de não estarem editadas e emendadas, o que faz com que entre uma e outra exista sempre uma vinheta e, entre as vinhetas, um demorado "negro" na tela. Para a exibição nesta quarta-feira, na Sala Uol, que antecedeu o debate sobre cinema digital, outro incômodo: faltando poucas animações para completar as 60, o projetor digital pifou. Afinal, que tecnologia é essa? Muita calma - A qualidade superior é inegável, conclusão natural do debate que deu lugar a exibição. Mas a aparelhagem dessa tecnologia é tão suscetível a falhas quanto os similares analógicos, principalmente se não estiver condicionada em local adequado. O projetor digital da empresa belga Barco Instruments, que está provisoriamente instalado na Sala Uol para demonstração, é um grande consumidor de energia e estava sem ventilação adequada. Por isso, segundo seu diretor Bob Lambermont, a máquina deve ter superaquecido (aos ansiosos: isso em nada prejudica o restante da programação da sala). Compensação - Um debate como esse tinha muito mais pano pra manga. Lambermont divulgou fatos interessantes sobre a tecnologia. Por exemplo, o gasto de US$ 4,5 bilhões anuais em distribuição de filmes comerciais pode cair a 10% desse valor com as facilidades da tecnologia digital. Fazer cópias de uma película é mais caro, mais complicado, e mais devagar - sem dizer que cópias digitais não perdem qualidade quando copiadas, ao contrário das analógicas. Distribuições que mobilizam aviões e carros levando latões mundo a fora seriam substituídas pela Internet e pelo apertar de um botão. Segundo os cálculos feitos por Lambermont e pelo próprio Cakoff, o gasto em aquisição de projetores digitais por parte das salas espalhadas pelo planeta que atendam a uma suposta demanda também compensaria, ainda que essas novas beldades custem o dobro dos seus parentes inferiores (cerca de U$ 160 mil). Na produção também seria muito mais econômico, uma vez que as câmeras numéricas muitas vezes dispensam luz, assim como seu tamanho menor dispensa vários operadores. Inúmeras tomadas para depois escolher a melhor nunca mais: o diretor pode ver na hora se a cena ficou boa ou não. E na pós -produção, correções diretas na imagem, sem necessidade de pré-digitalização, e uma gama de efeitos, filtros e texturas praticamente imbatível. Os modelos de câmera variam de handcams por U$ 2 mil até profissionais de U$ 200 mil, mas a maleabilidade de todas elas é igualmente dinâmica e surpreendente. Mais, para menos - "Fiquei impressionado com as imagens de Close Up Kiarostami, onde Mahmoud Behraznia filmou com uma dessas digitais baratas e fez um grande filme. Von Trier, no entanto, é incoerente: ele compra as câmeras mais caras e filma Dancer In The Dark por U$ 14 milhões e suas imagens são tremidas, as vezes granuladas, mas era o efeito que ele queria", resume Cakoff, buscando dizer que as possibilidades de escolha e de intenção também se abrem com essa nova onda. Diante da controvérsia se o digital assume o lugar da película normal de vez, Santana foi taxativo: "é inevitável que essa tecnologia domine o cinema. Ainda existirão os mais puristas, que lembrarão com saudade a textura das películas, ainda que estas mesmas aparências possam ser devidamente reproduzidas em digital. Mas é fato que a qualidade das cópias é inegavelmente superior, e que também os gastos econômicos são bem menores". Segundo Lambermont, as outras empresas fortes no ramo seriam a Sony Co. e a Texas Instruments. As três juntas já teriam 32 projetores digitais funcionando no mundo: Estados Unidos, México, Bélgica, França, Japão, Coréia, Canadá e Brasil. Pela primeira vez também se tocou num assunto sério sobre testes desses equipamentos. Alguns filmes da Disney feitos em tecnologia digital, como Dinossauros e Toy Story 2, estariam circulando há meses em alguns lugares da Europa e dos EUA, projetados nessa tecnologia sem o conhecimento do público. E por enquanto ninguém reclamou.

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