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Cinema de Stanley Kubrick sai em DVD

Coleção da Warner reúne oito títulos do diretor morto em 1999, entre eles Nascido para Matar, O Iluminado, Lolita e 2001 - Uma Odisséia no Espaço

Por Agencia Estado
Atualização:

Não foi mera coincidência. A Warner colocou A.I. - Inteligência Artificial em exibição em 300 salas de todo o País e aproveitou a data da estréia (7 de setembro) para também lançar, por meio do seu segmento de DVD e vídeo, a Coleção Stanley Kubrick. A.I. associa o nome de Kubrick ao de Steven Spielberg. É o filme que o gênio de 2001, uma Odisséia no Espaço queria realizar, mas terminou sendo feito pelo diretor de ET, o Extraterrestre. A.I. é essencialmente Spielberg, com sua marca registrada, à base de pieguice e muitos efeitos. Os críticos reclamam, mas a fórmula funciona: A.I. fez 500 mil espectadores no primeiro fim de semana, a terceira maior abertura da Warner no País. Na quarta-feira, fechou 1,06 milhão de espectadores. Bom para a empresa (e para Spielberg). Nada melhor que a Coleção Stanley Kubrick, porém, para nos lembrar quem era o grande autor morto, em 1999. São dois pacotes com quatro DVDs cada: Lolita, Nascido para Matar, 2001 e O Iluminado compõem o primeiro pacote; Barry Lindon, De Olhos bem Fechados, Laranja Mecânica e o documentário Stanley Kubrick - Imagens de uma Vida compõem o segundo. Todos os filmes foram remasterizados digitalmente e os discos incluem trailer de cinema. Só De Olhos bem Fechados traz as notas de produção e elenco que seriam desejáveis na coleção inteira. Todos também poderão ser adquiridos isoladamente, menos o que traz o documentário de Jan Harlan sobre seu cunhado. Harlan é irmão de Christine, a mulher (pintora) de Kubrick. E os filmes selecionados são, basicamente, os da associação do diretor com a Warner, empresa para a qual ele trabalhava, há vários anos, em troca de liberdade total. Kubrick tinha um contrato que não admitia nenhuma interferência do estúdio em seu trabalho. Entregava o filme que queria, pronto, e ainda controlava o lançamento, estabelecendo o tipo de publicidade a ser empregado. De onde vinha essa situação excepcional que ele desfrutava na indústria? Do reconhecimento do seu gênio, mais que do sucesso comercial de seus filmes. Kubrick não era Spielberg, em termos de retorno de bilheteria. Em compensação, esteve perto de realizar seu projeto megalomaníaco: ele queria fazer só obras-primas, os filmes definitivos de diversos gêneros. E, se pudesse, prescindiria de colaboradores, fazendo seus filmes sozinho. Quase fez: em Fear and Desire, o primeiro longa, de 1953, foi produtor, diretor, montador, operou a câmera e chegou a controlar pessoalmente a tiragem das cópias. Os pacotes de DVDs da Warner ignoram os filmes dos anos 50, clássicos noir como O Grande Golpe ou de guerra, como Glória Feita de Sangue. Também falta o épico "Spartacus", no qual Kubrick substituiu o diretor Anthony Mann e do qual não gostava muito, por achar que não teria desfrutado a liberdade que considerava necessária. Também fica de fora Doutor Fantástico, que acaba de sair num DVD cheio de extras pela Columbia. Pode-se lamentar as ausências, mas os filmes que integram a coleção são prodigiosos. Nem todos: a Lolita de Kubrick sempre foi discutida. Ficou melhor em comparação com a adaptação que Adrian Lyne fez do romance de Vladmir Nabokov. Mas o que dizer de 2001, de Laranja Mecânica e Barry Lindon? De O Iluminado? Levando ao extremo seu domínio da técnica, Kubrick, nas palavras de Jean Tulard em seu Dicionário de Cinema, parece querer mergulhar o espectador, graças a seu extraordinário virtuosismo, num estado de hipnose. 2001 exigiu vários anos de preparação e filmagem. Mas desde que bateu pela primeira vez na tela, em 1968, a aurora do homem, com aquele vertiginoso corte que transforma o osso, que o macaco usa como arma, na nave espacial que evolui ao som do Danúbio Azul, a ficção científica no cinema nunca mais foi a mesma. Kubrick deu inusitada profundidade a um gênero que o cinema tratava quase sempre como aventura. E se é verdade que depois George Lucas devolveu a ficção científica à aventura (na série Guerra nas Estrelas), até ele teve de beber na fonte das pesquisas estéticas do grande Kubrick. Logo em seguida veio Laranja Mecânica, que o diretor adaptou do romance de Anthony Burgess, sobre jovens que soltam sua violência nas ruas de Londres, enquanto, nos laboratórios, cientistas trabalham para libertar o cérebro de suas tendências agressivas. Vieram depois Barry Lindon, com sua suntuosidade cênica insuperável, O Iluminado, em que Kubrick elevou a literatura vulgar de Stephen King à condição de grande arte, e Nascido para Matar. Por melhor que seja a visão kubrickiana da Guerra do Vietnã, chegou tarde demais, depois de vários filmes dedicados ao assunto, para provocar o impacto que merecia. De Olhos bem Fechados também foi considerado por alguns críticos um fecho de carreira insatisfatório para o autor. São os mesmos que afirmam, irresponsavelmente - mas o papel não aceita tudo? -, que A.I. honra mais a memória do artista genial. Nos grandes filmes da fase final de sua carreira, Kubrick realmente queria mergulhar o público num estado de hipnose. Há um tema do olho, essencial em seu cinema. O olho de Hal-9000, que tudo vê em 2001, o de Alex, que não pode se fechar em Laranja Mecânica. Mas esse olho que percorre e adquire múltiplos significados na obra kubrickiana é apenas um dos faróis que iluminam seu gênio. O outro é a palavra - enlouquecida no Doutor Fantástico, ela trai Hal e expressa a fúria homicida do protagonista de O Iluminado. Vale insistir nesse aspecto. O cinema de Kubrick propõe a glacial exposição do fim do mundo pela dissolução da palavra, como único elo que une e organiza os homens. Daí seu frio cerebralismo, que Spielberg dilui em sentimentalismo em A.I.. Um filme incompreendido como Nascido para Matar adquire outro significado se for pensado à luz da retórica dos palavrões com que o sargento humilha seus recrutas até que eles estejam prontos a entender o mergulho no coração das trevas que, para o diretor, era toda guerra. Coleção Stanley Kubrick. Dois pacotes de DVDs com quatro discos cada um, contendo: Nascido para Matar, O Iluminado Lolita e 2001; Barry Lindon, Laranja Mecânica, De Olhos bem Fechados e o documentário Uma Vida em Imagens. Distribuição Warner. Toda a coleção: R$ 239. Cada DVD: R$ 38,50.

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