Cinema de Joaquim Pedro está ameaçado

Seis longas e oito curtas do cineasta correm o risco de se perderem, entre eles o clássico Macunaíma, de 1966, com Grande Otelo, Paulo José e Dina Sfat

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Os seis longa-metragens e oito curtas de Joaquim Pedro de Andrade, entre eles os clássicos Macunaíma, Os Inconfidentes e Couro de Gato, precisam ser restaurados para não se perderem. Um projeto nesse sentido foi encaminhado ao Ministério da Cultura (MinC), para aprovação na Lei Rouanet, pelos três filhos do cineasta, Alice, Antônio e Maria, em sociedade com o Grupo Novo de Cinema, de Tarcísio Vidigal, e o Labocine. Eles esperam conseguir a aprovação e a captação dos R$ 2,8 milhões orçados ainda este ano, porque, com exceção de Macunaíma, o mais famoso e que fez mais sucesso, todos estão em estado que Antônio de Andrade classifica como de calamidade. "É um problema recorrente no cinema nacional, pois temos só a Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio e a Cinemateca Brasileira para guardar filmes. Como a película continua sofrendo alterações químicas, a restauração é urgente", comenta Antônio, também profissional de cinema, que já fez seu primeiro curta e trabalhou com Cacá Diegues em Deus É Brasileiro. "Sempre recebemos propostas de exibição dos filmes, mas não temos como mandar as cópias porque as matrizes não se encontram em bom estado. Precisamos cuidar delas o mais rapidamente possível para que a obra não caia no esquecimento." O projeto é ambicioso. Prevê a restauração de 12 títulos no sistema tradicional e legendagem em inglês e francês no Labocine. Os outros quatro passarão por processo digital, disponível só no exterior, por serem considerados os mais importanes. São os longas Macunaíma (1966), Guerra Conjugal (1975) e Os Inconfidentes (1972) e o curta Couro de Gato, seu filme de estréia, em 1959, que virou episódio de Cinco Vezes Favela, produção pioneira do Cinema Novo. "A restauração digital escaneia o filme quadro a quadro, trabalha as imagens no computador e reverte de novo para película. As matrizes tornam-se imperecíveis e as cópias são tiradas do disco rígido em que ficam guardadas. Esta parte caberá também ao Labocine", explica ele. "Ben Hur e Lawrence da Arábia, por exemplo, foram restaurados digitalmente." Tarcísio Vidigal, dono de um currículo com 14 longas, entre eles Dança de Bonecos e Noites do Sertão, trabalha também com a exportação do cinema brasileiro e tem argumentos, além do histórico, para defender a preservação da obra de Joaquim Pedro de Andrade e outros diretores do Cinema Novo. "No exterior, há muito interesse por esse período, seja das mídias novas, como o DVD, ou das emissoras de televisão. Portanto, há também retorno comercial", acrescenta ele. "Mostrar os filmes brasileiros históricos chama atenção para a produção atual e facilita sua venda. Só na última feira do MIP, em Cannes, havia 10.800 emissoras procurando títulos para exibir. Atrair 5% delas já é ótimo, precisamos ter nossos filmes em boas condições." Mesmo na atual situação, há interesse, como atesta Antônio. Até meados do ano passado, ele estudava cinema na New York University. Lá, a obra de seu pai e de outros diretores do Cinema Novo é disciplina dos cursos. Por intermédio de Fabiano Canosa, que há décadas divulga o cinema brasileiro no exterior, recebeu um convite para uma mostra de Joaquim Pedro no Lincoln Center Filme Society, uma das principais instituições de preservação da memória da cinematografia mundial. "Para aceitar o convite, temos de ter os filmes restaurados", avisa Antônio. "De todos os títulos, só Macunaíma passou pelo processo tradicional, que o preserva por cinco ou seis anos. Queremos fazer o trabalho definitivo pelo menos com os quatro filmes principais." Apesar do custo, Antônio e suas irmãs preferem não desmembrar o projeto, o que facilitaria a captação. "Por experiência anterior, o maior interesse comercial é por Macunaíma. Quando foi restaurado, a idéia era incluir outros no pacote, mas os patrocinadores só se interessaram pelo mais conhecido e comercial", conta Antônio. "Para nós, todos os filmes são importantes. Abandonar um seria o mesmo que excluir um dos filhos da família." Joaquim Pedro de Andrade nasceu em 1932 e realizou seus filmes a partir de 1959. Formado em física, desinteressou-se da profissão, segundo Antônio, quando os computadores começaram a substituir os laboratórios. Passou a conviver com diversos cineastas que criavam, na época, o Cinema Novo, especialmente Leon Hirszman, Glauber Rocha e Cacá Diegues. Couro de Gato foi seu primeiro curta e, ainda em 1959, fez também Apipucos, sobre Gilberto Freire, e Manoel Bandeira, o Poeta do Castelo, em que misturava documentário e ficção. Sucesso popular - Seu primeiro longa, Garrincha, Alegria do Povo, de 1964, seguiria esse caminho, mas foram seus trabalhos seguintes, O Padre e a Moça e Macunaíma, ambos de 1966, que o tornaram popular. A adaptação do romance de Mário de Andrade, um marco literário do Modernismo, com Paulo José e Grande Otelo no papel título e Dina Sfat, belíssima, como uma guerrilheira tupiniquim, era um veemente protesto contra a ditadura recém-instalada e uma comédia hilária, que até hoje enche cinemas. Nos anos 70, Os Inconfidentes juntava a biografia de Tiradentes, vivido por José Wilker, com o Brasil do século 20, tudo embalado pela versão de Elis Regina para o samba contando a mesma história, de Mano Décio da Viola, Estanislau Silva e Penteado, com que o Império Serrano havia desfilado em 1949. Foi sucesso de crítica e público, assim como o seguinte, Guerra Conjugal. Nos anos 80, seu único longa seria O Homem do Pau Brasil e, até morrer, em 1987, trabalhava no roteiro da adaptação para cinema de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, que foi publicado nos anos 90. "Meu pai se preocupava com o futuro de seus filmes, mas até sua morte, eles estavam sob a guarda da Embrafilme", lembra Antônio que tinha 11 anos na época e só assumiu a Serro Filmes, empresa da família, quando completou 18 anos. "Hoje eles estão na Cinemateca Brasileira, o melhor lugar para preservá-los. Mesmo assim as condições não são as ideais."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.