Cinema de altíssima caloria em "Super Size Me"

O documentário Super Size Me, que estréia hoje, investe contra os malefícios da fast-food no mesmo estilo de Michael Moore

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Por Agencia Estado
Atualização:

A esta altura, você já deve saber de cor quem é Morgan Spurlock, aquele cara que resolveu aplicar a si mesmo a dieta radical de alimentar-se exclusivamente no McDonald´s durante um mês inteiro. E, claro, filmar o resultado, que vem a ser o longa-metragem documental Super Size Me - A Dieta do Palhaço, uma das estréias de hoje nos cinemas do Brasil. O título original vem da oferta que era feita aos clientes em algumas das lanchonetes da rede americana - se o cliente desejasse um sanduíche maior, super size, pagaria apenas alguns centavos extras. E ganharia em quantidade, e muitas e muitas calorias a mais. Pura relação custo-benefício. Com sua determinação de viver exclusivamente do McDonald´s durante um mês, Spurlock pôde documentar as alterações em seu corpo. Antes de começar o experimento, ele se submete a diversos exames clínicos. Goza de saúde perfeita, embora não seja nenhum asceta. Ao final do mês, os resultados tornaram-se um desastre. Ele havia engordado 11 quilos, o colesterol subira a níveis alarmantes e seu fígado parecia ao dos gansos que depois se transformam em foie gras, uma das delícias da culinária francesa, mas péssimo índice de saúde das aves. Enfim, o McDonald´s quase deu cabo do pobre Spurlock. Nem mesmo na cama ele era o mesmo, como depõe, alegremente a namorada dele, uma fanática por verduras e suco de cenoura. O documentário, claro, é um típico agit prop sobre a indústria alimentícia norte-americana, da qual o McDonald´s é apenas o exemplo mais evidente. Fast-food: comida rápida, para um mundo veloz em que não se pode perder tempo. Alimentos calóricos que, devorados em minutos, dão à pessoa a sensação de plenitude por horas a fio. O resultado todo mundo sabe: a obesidade tornou-se um dos graves problemas de saúde dos EUA e em vários países desenvolvidos. Metade da humanidade passa fome e outra metade explode em celulite, colesterol e triglicérides. Spurlock resolveu atacar a indústria do fast-food da maneira a mais direta e brutal possível - agindo sobre o próprio corpo. Imola-se, em nome da denúncia, no interior das lanchonetes e transforma seu organismo numa espécie de manifesto político, à maneira de Michael Moore, com quem tem sido comparado. Moore voa direto contra Bush. Spurlock vai em cima de um dos ícones do modo americano de vida. Ambos são sutis como rinocerontes e mimetizam, em seus estilos de protesto, talvez mais do que gostariam sobre aquilo que combatem. Se alguém se incomodou com a falta de sutileza de Moore em Fahrenheit - 11 de Setembro, que se prepare para este Super Size Me. Por exemplo, nos primeiros dias do experimento, o estômago de Spurlock, ainda não habituado, não suporta a dieta e joga tudo para fora, semidigerido. A câmera faz questão de dar um close no produto da rebeldia estomacal do diretor. Igualmente grosseiros são os depoimentos da insossa namorada de Spurlock, em especial quando ela descreve, em detalhes, a queda de rendimento erótico do parceiro, atribuída aos Big Macs. Enfim, a moça usa também o filme como veículo de exibicionismo. Mas se conseguirmos vencer a náusea e assistir a tudo com olhar clínico, ainda poderemos tirar algum rendimento desse Super Size Me. Ele acaba funcionando como interessante documento antropológico sobre a cultura contemporânea. No fundo, a afirmação implícita de que as pessoas precisam ser defendidas contra si mesmas soa um tanto infantil. Afinal, ninguém as obriga a entrar numa lanchonete e empapuçar-se de Big Macs, nuggets, sundaes e outros bichos até morrer. Afinal, é uma opção das pessoas. Ou não é? Essa seria a questão mais interessante a ser vista. Porque é aqui que entra o debate ideológico para valer. É verdade que as pessoas se empanturram porque querem, mas também é verdade, e essa informação o filme não sonega, que bilhões de dólares são gastos na publicidade mundial desse tipo de alimento, enquanto uma ninharia é destinada a divulgar as virtudes da alimentação sadia. Levando o raciocínio adiante, o que autorizaria a limitação de propaganda de cigarro e álcool, que também fazem mal, e também movimentam bilhões de dólares mundo afora? Trazendo para o campo cultural: como impedir que milhões e milhões de pessoas assistam a, digamos, Homem-Aranha, se, supostamente, elas estão fazendo apenas isso: exercendo seu livre-arbítrio e escolhendo aquilo que - supostamente - "desejam"? Tudo isso é junkie food - do corpo e da alma. E a publicidade teria uma palavrinha a dizer sobre esse assunto.

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