Cineastas querem influir na Lei do Audiovisual

Cineastas querem influir nas mudanças da Lei do Audiovisual que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso prepara-se para enviar ao Congresso

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Por Agencia Estado
Atualização:

Presidente do 3.º Congresso Brasileiro de Cinema, o cineasta Gustavo Dahl disse que o Governo do Estado do Rio já se colocou à disposição da comissão organizadora do evento para sediar, no ano que vem, o 4.º Congresso. O anúncio foi recebido com aplausos pelo público reunido na primeira plenária, na quinta-feira à noite, no Teatro da Ospa, a Orquestra Sinfônica da cidade. Todos acham importante que o debate iniciado este ano continue e não tenha de esperar mais 50 anos - os dois primeiros congressos foram realizados em 1952 e 53. Por mais bem-vinda que seja a idéia, não elimina o compromisso que o atual congresso tem de encaminhar propostas de soluções para os impasses do cinema brasileiro. Vários oradores lembraram que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso prepara-se para enviar ao Congresso um projeto de lei com mudanças na Lei do Audiovisual. O documento final do encontro, que será aprovado na plenária nesse sábado à tarde, precisa entrar nas considerações do Governo Federal. Um projeto de lei às vezes demora para ser aprovado. Dependendo do que for proposto, poderão passar-se meses e até anos antes que seja implementado. Daí a pressa dos congressistas do cinema brasileiro, reunidos em Porto Alegre no evento promovido pelo Fundacine, a Fundação do Cinema Gaúcho. Gustavo Dahl tem repetido o que já se tornou um bordão, desde a abertura solene, na quarta à noite. "É muito problema para pouco congresso". Discutir toda a problemática do cinema nacional em três dias e meio é tarefa de Hércules. Um exemplo dessas dificuldades pôde ser conferido na plenária de quinta à noite, reunida para discutir e aprovar os relatórios dos grupos de trabalho à tarde. Os grupos foram previstos no regulamento interno do congresso. A comissão organizadora estabeleceu uma pauta básica para discussão. Foram formados quatro grupos para discutir: a relação do cinema brasileiro com o Estado, os problemas da distribuição, as escolas de cinema e a preservação de filmes, a relação com a televisão. O ex-presidente da Embrafilme, cineasta Roberto Farias, foi convidado a ler as resoluções do grupo que discutiu Estado e cinema. O documento critica duramente a inação do Governo Federal e não tem meias-palavras em relação à secretaria do Audiovisual. Diz que ela é incompetente para resolver os problemas da atual fase da cinematografia nacional. A partir daí o grupo propôs a criação de uma agência para cuidar dos ´assuntos específicos do cinema - com a função de ser um organismo gestor, ao mesmo tempo fomentador e regulador do mercado (marcado hoje pelas distorções). A discussão quebrou o maior pau. O fantasma da extinta Embrafilme assombrou o plenário. "O momento é outro, as condições são outras, o mercado é outro e nada justifica que se volte a modelos do passado", disse o presidente Gustavo Dahl. Como a discussão não evoluía, ele propôs que o assunto voltasse para o grupo, que deveria retirar novas propostas para ser encaminhadas à plenária de hoje à noite. O assunto é de fundamental importância. Vozes no plenário lembraram que o governo atribui ao mercado uma função reguladora que ele não possui, pelo simples motivo que o governo nunca estabeleceu regras para garantir a isonomia desse mercado, prevista na continuação. É um produto ocupado - por Hollywood. A discussão promete ser quente até a redação do documento final. A agência, necessária segundo o consenso, divide o plenário pela forma como deve ser organizada e constituída. Mas a opinião dominante é que, sem ela, o atual renascimento do cinema brasileiro vai para o brejo e passa a fazer apenas das tentativas cíclicas para transformar o cinema do País numa indústria, com tudo o que isso representa - movimentação de capital, geração de empregos, além da estratégica função de colocar na tela a cara do brasileiro, estabelecendo a própria identidade nacional. Os grupos que discutiram o ensino e a televisão apresentaram resoluções um tanto burocráticas. O primeiro pediu o óbvio - que o governo invista no setor, estabelecendo normas e fundos que permitam, não apenas qualificação do técnico brasileiro, como também a preservação do filme como documento integrante da própria memória nacional. O grupo de TV criticou o modelo da televisão brasileira, cujo monopólio foi estabelecido na época da ditadura, mas considera imprescindível a parceria entre cinema e TV. Propõe que haja obrigatoriedade de exibição de produção independente, além do material produzido pelas empresas, e que seja criado um fundo para investimento em cinema com dotação orçamentária a ser retirada do faturamento das redes - cerca de R$ 4 bilhões ao ano. Como a proposta não é só de fundo político, mexe também com dinheiro, pode-se imaginar que sem uma resolução firme do governo, que dá as concessões, haverá resistência das redes, que possuem fortes instrumentos de pressão. O melhor e mais competente grupo foi o que discutiu a distribuição. A relatora Mariza Leão, mulher e produtora dos filmes de Sérgio Rezende, apresentou um dado estarrecedor. Desde 1995, foram investidos cerca de R$ 350 milhões na produção de filmes no País. Desse total, menos de 8%, apenas R$ 25 milhões, foram investidos no lançamento desses filmes. Sem mídia, o cinema brasileiro não existe. É suicida essa política que só cria mecanismos de captação, para permitir a produção, e depois não resolve os problemas da distribuição e exibição num mercado ocupado. O grupo fez propostas concretas. Entre outras coisas, quer criar mecanismos e estímulos para que distribuidores independentes se tornem sócios do cinema brasileiro. E alguém, lucidamente, lembrou que o conceito de filme estrangeiro como produto hegemônico não é verdadeiro. A hegemonia é de Hollywood. Há toda uma produção estrangeira - Europa, Irã, Ásia - que quase não chega ao País. Tem de haver uma forma de garantir a presença dessas cinematografias no mercado e não apenas a sua ocupação maciça por "Gladiador" e "Missão: Impossível 2". Chatô - Quem anda circulando aqui é Guilherme Fontes. Com o escândalo Chatô ainda fervendo, disse que veio ao congresso para se aproximar dos seus "pares". Os pares o evitam como se fosse o demo. Chatô colocou sob suspeita quem capta recursos para cinema no País. Fontes anuncia que um produtor-delegado já foi nomeado pelo Ministério da Cultura para intervir em Chatô. Não sabe quem é. Ele precisa de mais capital para terminar o filme. Com a nova injeção de dinheiro, prevê mais 13 a 16 semanas de rodagem. E garante que os investidores não vão se dar mal. Um mecanismo de seguro chamado complition bonus, muito usado no exterior, garante que quem investir de 3% a 6% na produção receberá seu dinheiro de volta, independentemente do resultado. O assunto está na roda. Nesse quadro, quem assumiu a defesa de Fontes foi o secretário do Audiovisual, José Álvaro Moisés. Num encontro com jornalistas, na quinta à tarde, ele disse que Fontes foi "maltratado" (subentenda-se, pela mídia, que o transformou em bode expiatório): "Nada foi provado contra ele".

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