Cineasta argentino discute violência policial

Pablo Trapero fala ao Estado de seu El Bonaerense, filme que integra a seleção do Festival do Rio BR 2002

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Por Agencia Estado
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Pablo Trapero tinha 19 quando começou a estudar cinema. Aos 25, dirigiu o primeiro filme, Mundo Grúa. Aos 30, está no Brasil mostrando o segundo. El Bonaerense teve sessão especial, ontem, no Festival do Rio BR 2002. Amanhã, passa de novo. O filme integrou a seleção oficial de Cannes, em maio, mas não concorreu à Palma de Ouro. Walter Salles, o diretor de Central do Brasil e Abril Despedaçado, assina embaixo do nome de Trapero. Acha que ele, embora jovem, é um dos grandes do cinema latino, na atualidade. El Bonaerense é a prova. O filme conta a história de um cara do interior que precisa fugir para Buenos Aires. Instala-se na Grande Buenos Aires, mais exatamente na zona oeste da capital. Trapero explica a origem do seu fascínio por essa região. "Nasci e me criei lá, portanto conheço bastante aquele universo." Mas há mais: "A leste, encontra-se o rio, no norte habitam os muito ricos, no sul, os muito pobres. A zona oeste de Buenos Aires é que possui a maior mescla social." É uma paisagem meio desolada: grandes avenidas que não são arborizadas, prédios baixos, muita poluição. É nesse quadro que vive o protagonista de El Bonaerense. Ele entra para a força policial e isso muda tudo. Há um problema com a polícia na Argentina. Na verdade, há um problema em todo o mundo, pois onde quer que exiba El Bonaerense Trapero ouve a mesma coisa. Na França, na Espanha, agora no Brasil, todo mundo lhe diz que ele parece estar falando sobre a polícia local. Trapero compartilha as idéias da cineasta paulista Miriam Chnaiderman, quando definiu, para o Estado, o conceito de seu novo documentário, De Arma na Mão. "As pessoas, de posse de uma arma, mudam completamente. Não é à toa que a pistola é um símbolo fálico. Representa potência, poder. O risco de ser policial é embarcar numa viagem feita de impunidade, que faz com que o indivíduo se coloque acima dos demais." No Brasil, no tempo da ditadura, havia uma música de Chico Buarque cujo refrão dizia: "Chama o ladrão." Contra a repressão policial, era preferível o crime. O quadro mudou. O crime profissionalizou-se e hoje ninguém mais quer chamar o ladrão, no País. Mas também hesita antes de chamar a polícia, tão grande é o envolvimento de policiais com a corrupção e a violência. "Na Argentina, pessoas honestas, trabalhadoras, trocam de calçada para não cruzar com policiais", conta Trapero. É, em parte, uma herança da ditadura, mas não é só isso. "Os problemas da polícia são anteriores à ditadura", diz o diretor. O herói do filme, que não é herói, envolve-se com uma colega policial. Invade a vida dela, numa ligação possessiva, meio atração fatal. Esse homem quase não fala. "Queria que ele se expressasse por meio de suas ações e do sexo", revela Trapero. A conseqüência é que El Bonaerense tem cenas de sexo de rara intensidade. A rodagem foi complicada: a Argentina mudou cinco vezes de presidente enquanto o diretor fazia o filme. Faltou dinheiro em vários momentos. Hoje, ele acha que as paradas foram positivas: "Contribuíram para que eu pensasse mais no que estava fazendo e amadurecesse o projeto." El Bonaerense estreou há pouco mais de uma semana na Argentina. É a segunda maior bilheteria, atualmente, após Insônia, o thriller de Christopher Nolan com Al Pacino. "O filme está motivando um debate muito interessante sobre a polícia no regime democrático", diz Trapero. "Os policiais estão indo em massa e também discutem o filme." Ele vê o momento atual do cinema argentino com otimismo. "Apesar da gravidade da crise, nunca tivemos tantas escolas de cinema funcionando, tantos diretores fazendo filmes que o público quer ver." O resultado é uma diversidade muito grande, como sabem os espectadores que já viram Nove Rainhas e Botim de Guerra e vão ver em breve O Filho da Noiva. "São muito diferentes entre si e diferentes do meu filme; é bom que seja assim", reflete Trapero. Na sexta, o filme de Murilo Salles, Seja o Que Deus Quiser, abriu a mostra competitiva Première Brasil. O título tem valor de advertência. Com Como Nascem os Anjos, Murilo abriu caminho para O Invasor, de Beto Brant. Agora, refazendo seus Anjos - um artista do morro conhece o diabo nas mãos da corrompida elite urbana brasileira -, Murilo derrapa em sua carreira até aqui brilhante e soma os defeitos de O Invasor aos que os detratores de Cidade de Deus tentam ver no fortíssimo filme de Fernando Meirelles. Na apresentação do filme, no palco do Cine Odeon BR, Murilo disse que Seja o Que Deus Quiser é uma brincadeira, não é para ser levado a sério. É sim, porque se for brincadeira é boba e de mau gosto.

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