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Cine PE aplaude ‘Grande Hotel Budapeste’

Uma longa espera por uma grande produção, que encantou o público

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

E o 18.º Cine PE decolou com atraso, no sábado à noite. Depois de quase uma hora de espera e intermináveis discursos de apoio e agradecimento, emendaram-se duas mostras de curtas – a que contempla a produção local, não contemplada pela competição, e essa última. Fechando a noite, e entrando pela madrugada, veio o longa – o delicioso Grande Hotel Budapeste. O novo filme de Wes Anderson é o melhor do diretor, mas havia gente que, embora tendo adorado, perguntava-se se haveria espaço para um filme daqueles no mercado.::: Cultura Estadão nas redes sociais ::::: Facebook :::: Twitter ::

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Grande Hotel Budapeste

inaugurou o Festival de Berlim em fevereiro. O diretor declinou da homenagem – só o fato de ter sido escolhido para abrir o evento já foi, em si, uma honra. Anderson quis concorrer, e se deu bem: ganhou o prêmio especial do júri. A Fox anuncia a estreia para o fim de junho, durante a Copa, quando o Brasil, espera-se, terá superado as quartas de finais. Grande Hotel baseia-se em escritos da juventude de Stefan Zweig, quando ele refletia sobre a Viena e a Áustria que viviam o fim de uma época. Logo o país seria anexado pelos nazistas. Aquilo não foi brincadeira.

O filme, narrado em flash-back, conta a história de um bellboy (mensageiro de hotel) que é iniciado nos segredos da função pelo melhor mestre do mundo – M. Gustave, Ralph Fiennes, o sedutor gerente do estabelecimento. Herda de uma cliente especial um quadro valiosíssimo, o que prova a ira do filho da finada – ele, por sinal, foi o assassino da mãe. Segue-se a caça ao tesouro – ao quadro. O bellboy torna-se aliado de M. Gustave, posteriormente vira seu herdeiro. Combatem o vilão nazista. O mundo muda, a república fictícia desmorona, o próprio hotel entra em decadência. E tudo é filtrado pelo olhar de Zero, o ex-mensageiro, que conta a história, e pelo olhar de um escritor que se hospeda no local anos maios tarde.

Há sempre um tom particular no cinema de Wes Anderson, e o seu gosto por personagens via de regra definidos como excêntricos pela família – de sangue ou eletiva, como é o caso de Zero – presta-se sempre a sutis observações sobre o comportamento humano e a marcha da história. Mesmo quando não é esse o ponto, seus filmes oferecem testemunhos da loucura do mundo. Com base em Stefan Zweig – em escritos, nenhum livro específico –, ele nunca foi mais preciso e eficiente. Teve aliados valiosos – direção de arte, figurinos, elenco.

Num registro que não é naturalista, todo mundo (Fiennes, Tilda Swinton, Jasoin Acvhwatzman, Jude Law, Adrian Brody, Tony Revolori, etc.) apresenta-se muito bem. Nenhum exagero. Um gesto ou ênfase a mais poderiam colocar tudo a perder. A justeza é perfeita, um raro exemplo de adequação.

E claro que há a mise-en-scène. Anderson filma em planos curtos, corta muito, mas o espectador quase não se dá conta da minúcia com que ele vai tecendo seu relato. É um diretor (autor) que visa à chamada escrita invisível. Você o identifica, mas o que é mesmo que faz a marca de Anderson? É essa maneira elegante (vale usar a palavra de novo) de servir à história e aos personagens. São sempre eles que comandam o show.

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Em Berlim, o cineasta disse que não filma para impor sua visão de mundo. Prefere fazer filmes para compartilhar certas experiências com o público. O do Recife, como o de Berlim, entrou no clima. Grande Hotel Budapeste recebeu prolongados aplausos no final, e veja que, depois da uma da manhã, e após mais de cinco horas de programação, a maioria só queria saber mesmo de ir embora.

Mostras

. Os curtas – pernambucanos e os da competição – foram desiguais, mas não se pode dizer que não tenha sido interessante assistir às seleções, até porque muitos filmes dialogavam entre si – questões de ordem social, mas também de linguagem. Uma mulher que preside uma associação de pescadores e conseguiu se impor no mundo dos homens (Ponta de Pedros e Pedras), uma mãe que discrimina os próprios filhos e é comparada à pátria que exclui tantos (Severo), um afrodescendente que relata sua experiência de amar e ser amado, e de se haver letrado, constituindo uma bela família, e isso apesar do racismo brutal que sofreu em vários momentos. Esse filme se chama Rabutaia e tira seu título da carne mais barata do mercado, metaforizando o esforço dos que, em princípio, seriam jogados fora não fosse o esforço e a superação.

Numa cena de Rabutaia, o biografado – Gilson Silva – e seus filhos tocam o Hino Nacional em ritmo de samba. É maravilhoso. Na época da ditadura militar, teriam sido presos por subversão. Aquilo é um ato de amor. É linguagem. Dialoga com o curta de Luiz Rosemberg Filho que leva esse título e faz uma colagem (de Jean-Luc Godard e Stanley Kubrick) e citações infinitas para debater a linguagem do cinema e o estado do mundo.

O festival, com seu novo foco curatorial, engatinha. Ontem à noite passaram Getúlio, de João Jardim, fora de concurso, que estreia na quinta-feira, e O Mercado de Notícias, documentário de Jorge Furtado que usa a peça do dramaturgo elisabetiano Ben Jonson para discutir a imprensa do século 21.

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