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Cine Ceará torna-se ibero-americano

Em sua 16.ª edição a mostra competitiva de Fortaleza abre-se a produções da América Latina, Espanha e Portugal

Por Agencia Estado
Atualização:

Em time que está ganhando se mexe sim e isso é o que está fazendo o Cine Ceará, um dos mais importantes festivais de cinema do País: a partir desta edição, a mostra de Fortaleza passa a abrir espaço para produções não apenas do Brasil, mas da América Latina, Portugal e Espanha. Rebatizado em sua 16.ª edição de Festival Ibero-Americano de Cinema, apresenta em sua mostra competitiva dois títulos brasileiros - As Tentações do Irmão Sebastião, de José Araújo, e Agostinho da Silva - Um Pensamento Vivo, de João Rodrigo Mattos. Esses dois longas-metragens irão competir com nove filmes de diversos países de língua espanhola, todos inéditos no circuito brasileiro, com exceção de Iluminados por el Fuego, de Tristán Bauer, apresentado em São Paulo na mostra do cinema argentino do Memorial da América Latina. Dessa forma, o ex-Cine Ceará repete o que já havia feito o tradicional Festival de Gramado no início da década de 1990 quando se tornou ibero-americano, alegando um motivo dos mais simples: não havia produção brasileira para abastecê-lo. Vivia-se a ressaca da era Collor e o cinema nacional tentava se reerguer. Havia, portanto, poucos títulos disponíveis. Hoje a situação é outra. O Brasil lança cerca de 50 longas-metragens por ano e assim, em tese, poderia fornecer títulos aos principais festivais de cinema do País. Acontece que nem todos os produtores consideram os festivais o melhor ambiente para mostrar seus filmes. Temem a competição. Argumentam que ganhar um troféu não ajuda nada, mas perder atrapalha. Podem estar certos. De qualquer forma, com o retorno dos filmes, Gramado voltou a ser brasileiro, pelo menos na competição. Preservou sua mostra ibero-americana, no período vespertino e a título informativo. Depois, mesmo esta foi esvaziada. O Ceará, portanto, faz o caminho inverso ao da mostra gaúcha. Questão de opção. Como as cinematografias em língua espanhola têm pouca oportunidade no nosso circuito comercial, é bom que tenham vez, pelo menos em festivais. Mas é fundamental, também, que venham títulos de qualidade. Quer dizer, que o festival tenha uma curadoria rigorosa, o que só se poderá julgar depois. De qualquer forma, a opção do festival cearense foi expandir-se. Vai durar dez dias, terá mais filmes e mais convidados. Um deles, a celebrar os laços com a cultura hispânica, será o argentino Fernando Birri, um dos mais importantes realizadores latino-americanos, autor de um clássico do continente, o documentário Tire-Dié. Birri estará em Fortaleza e lá apresentará seu filme mais recente, ZA05 - O Velho e o Novo, em homenagem ao papa do neo-realismo italiano, o escritor e roteirista Cesare Zavattini (1902-1989). Como Birri além de cineasta foi um dos fundadores da Escuela de Cine, TV y Vídeo, de Havana, haverá uma mostra de filmes realizados com apoio dessa instituição de ensino do cinema latino-americano que tem em Gabriel García Márquez seu presidente de honra. Assim, serão apresentados os longas Soy Cuba - o Mamute Siberiano, de Vicente Ferraz, La Hora del Dia, de Jaime Rosales, La Media Noche y Media, de Mariana Rondon, Milagre em Juazeiro, de Wolney Oliveira, Iremos a Beirute, de Marcus Moura, e de Arturo Soto. O espanhol será a língua dominante na mostra competitiva, que conta com apenas dois brasileiros. Mas, nas paralelas o cinema nacional comparece tanto na mostra consagrada às populares produções da Globo Filmes, como na Première Fortaleza. Entre os filmes ?globais? serão mostrados Dois Filhos de Francisco, Carandiru, Se Eu Fosse Você, Cidade de Deus, Lisbela e o Prisioneiro, Cazuza, A Dona da História e Olga, responsáveis por algumas das maiores bilheterias recentes do cinema brasileiro. Na Première Fortaleza, Eu me Lembro, À Margem do Concreto, Wood & Stock, O Profeta das Águas, Meninas e Smiles. A apresentação dessa massa de filmes seria oportunidade para discutir as questões e impasses estéticos do atual cinema brasileiro. Mas, na parte reflexiva, o novo Festival do Ceará deixa a desejar, como quase todos os seus congêneres espalhados pelo País. Não há uma única mesa-redonda ou seminário destinados à discussão estética, fato estranho em um festival de cinema. E a discussão seria bem-vinda a partir mesmo do filme de abertura do evento, As Tentações do Irmão Sebastião, segundo longa do cearense José Araújo. Como no primeiro, o belo Sertão das Memórias, Araújo mergulha no universo místico sertanejo, uma história que vai da Roma antiga a um caótico 2030, com o Brasil dominado pelo medo e pela violência. O personagem principal é Sebastião, noviço que recorda a infância, a luta pela vocação religiosa em meio às tentações da carne. Um filme em tudo atípico no atual panorama do cinema brasileiro. Árido como três desertos, como dizia Nelson Rodrigues. Mas não interessa dizer se é bom ou se é ruim. Importa discuti-lo. Assim como a todos os filmes que batem na tela. Para isso (também) servem os festivais.

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