"Cidade Baixa" é o mais aplaudido no Festival do Rio

Cenário do filme é a cidade baixa de Salvador, com seu ambiente portuário, as ruas estreitas, as pensões e os dancings sórdidos

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Por Agencia Estado
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Foi uma festa e tanto. A exibição de Cidade Baixa, de Sérgio Machado, terça-feira à noite, no Cine Odeon BR, virou o maior evento da Première Brasil, até agora. Havia gente querendo se pendurar no lustre para assistir ao filme interpretado por Lázaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga. A solução foi providenciar outra sessão, à meia-noite. Machado subiu ao palco e fez uma apresentação simpática. Lembrou o amigo Karin Ainouz, co-autor do roteiro. Quando Cidade Baixa foi para Cannes, para ser exibido na mostra Un Certain Regard, em maio, Karin - que já apresentou no festival de cinema mais badalado do mundo o vigoroso Madame Satã - antecipou tudo o que Machado iria sentir. Taquicardia, suores, mãos frias. De tanto esperar pela emoção, Machado não teve nenhuma dessas sensações. Em compensação, na terça-feira, desde as 5 da tarde, sentia todas elas e muitas mais. "Estou muito nervoso", ele anunciou. A ovação final deve tê-lo tranqüilizado. Cidade Baixa foi o filme mais aplaudido nestes primeiros dias de Festival do Rio. A cada nome na tela, os aplausos recomeçavam, não apenas o diretor e o elenco principal, mas fotógrafo, diretor de arte, figurinista. O Odeon quase veio abaixo quando bateu na tela o nome de Fátima Toledo, como preparadora de elenco. Boa parte do cinema brasileiro contemporâneo deve muito ao trabalho de Fátima. Por causa dela, há hoje um considerável aumento da qualidade da interpretação no cinema brasileiro. Ela é ótima na preparação de atores jovens e na integração de elencos formados por profissionais e não profissionais. Não está sendo o menor mérito da Première Brasil, a mostra competitiva do cinema brasileiro no Festival do Rio, em 2005. Gustavo Falcão em A Máquina, Lázaro, Wagner e Alice em Cidade Baixa - o ano está glorioso para os atores nacionais. Para os diretores, também. Após o documentário sobre Mário Peixoto, Onde a Terra Acaba, Sérgio Machado desenha um novo patamar de ambição e resultado para o seu cinema. A Cidade Baixa do título é a de Salvador, com seu ambiente portuário, as ruas estreitas, as pensões e os dancings sórdidos. É o quadro da história de um triângulo amoroso. Lázaro Ramos e Wagner Moura fazem amigos, daqueles de infância, do peito. Entra em cena a prostituta Alice Braga (sobrinha de Sônia e um vulcão comparável à tia, nos áureos tempos). Ambos começam dividindo a mulher, mas logo querem exclusividade. Ela não quer escolher - quer os dois. Machado diz que os triângulos amorosos são sempre infelizes no cinema. Produzem destruição e morte. Ele quis filmar a possibilidade de uma relação a três - não propriamente um triângulo feliz. Pois é tudo muito doloroso em Cidade Baixa. Amar a mulher significa detestar o amigaço, brigar a socos com ele. Há algo de François Truffaut, de Jules e Jim, nesta história, mas sem a politesse do diretor francês. Machado situa sua trama no submundo. Evoca também outro famoso filme francês sobre triângulo amoroso, de Coline Serreau. Como a diretora francesa, Machado pergunta-se - Por Que Não? É um belo filme, de uma pegada jovem, intensa e marcado pela autencidade dos ambientes e dos personagens. Machado excede na pintura desse baixo mundo, com seu linguajar cru. Ele foi à Cidade Baixa de Salvador, instalou-se entre as prostitutas e os estivadores do porto. Viu, ouviu e captou. Existe o trio central e eles são todos maravilhosos, mas existem também os coadjuvantes. Outra grande onda de aplauso no Cine Odeon foi quando José Dumont foi chamado ao palco e Wagner Moura ocupou o microfone para dizer que ele é o maior ator brasileiro. Grande Dumont. Não importa o tamanho do papel. Pode ser pequeno. Ele é sempre ótimo. A consagração de Cidade Baixa ofuscou, merecidamente, o curta Desejo, que passou antes, com Lázaro Ramos e Wagner Moura (de novo). Eles estão em todas - no curta de Anne Pinheiro Guimarães, que é muito bem produzido sem ser particularmente bom, em A Máquina e, agora, Cidade Baixa. Lázaro e Wagner vão fazer história no Festival do Rio 2005. O evento segue seu curso. Uma das 23 mostras que integram o verdadeiro caleidoscópio que é a programação do festival leva o sugestivo nome de Brasil com Z. Foi uma sacada da diretora de programação Ilda Santiago, que percebeu o elo unindo diversos filmes - eles revelam o olhar estrangeiro sobre o País. Um dos títulos mais interessantes dessa programação é Maria Bethânia - Música é Perfume, do francês Georges Gachot. Bethânia é outra que tem cadeira cativa neste festival. Está nos documentários Vinicius de Morais e O Sol - Caminhando contra o Vento, de Miguel Faria Jr. e Tetê Moraes e Martha Alencar. Volta em Música É Perfume, guiando a viagem do diretor pela MPB. O próprio Gachot define Bethânia como "ícone da contracultura que virou rainha da balada romântica". Permitindo que o cineasta entrasse na intimidade do seu trabalho, ela é a estrela-guia de uma viagem que não é só musical, mas também reflete a evolução da sociedade brasileira nas últimas décadas. Caetano, Chico, Gil, Nana Caymmi, Miúcha. Todos cercam a rainha, que possui aquele domínio de cena. Betânia é magnética e natural. A música É Perfume poderia ter outro título, Bethânia Paixão.

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