Em comemoração aos 60 anos de estréia, a Warner está relançando em vídeo e DVD Cidadão Kane, considerado a obra prima de Orson Welles e um dos filmes mais importantes da história do cinema. Sua linguagem inovadora, que recorre a ângulos inusitados e ousados movimentos de câmera, influenciou várias gerações de cineastas. Paradoxalmente, essas novidades parecem hoje um tanto manjadas, já que o filme foi muito imitado. Visto hoje, Cidadão Kane ainda conserva seu impacto, se não pela linguagem, pelo belo estudo do comportamento humano. Mas é preciso fazer justiça. O maior mérito de Welles foi ter encontrado as pessoas certas, já que o filme deve muito ao seu roteirista Herman Mankiewickz (o problemático irmão do excelente diretor Joseph), que foi quem criou a história, e ao diretor de fotografia, Greg Tolland. Basta assistir Vinhas da Ira, O Morro dos Ventos Uivantes e Intermezzo, fotografados anteriormente por Tolland, para perceber seu gosto por ângulos inusitados e por um requintado trabalho de iluminação. Mas foi em Kane onde ele mais ousou. Cidadão Kane é uma biografia disfarçada de Willian Hearst, o todo-poderoso homem de imprensa das duas primeiras décadas do século 20, dono de mais de trinta grandes jornais e outras tantas rádios espalhadas pelo país, candidato derrotado a governador de Nova York e a presidente dos EUA. Um homem com quem não era de bom tom brigar. Mas Orson Welles era um fenômeno do rádio, veículo que, nos anos 40, tinha tanta força quanto a televisão hoje. O ponto máximo de sua carreira tinha sido uma transmissão onde simulava a invasão da Terra por marcianos. Ele gostava de polêmica. Trazido para Hollywood pela RKO, com carta branca para realizar um filme, foi mexer logo com Hearst. Na época, o magnata tinha 76 anos, contra os 25 de Welles. No fundo, os dois eram parecidos. Ambos eram prepotentes, arrogantes e poderosos. Dessa forma, Kane também retrata o próprio Welles. O poderoso magnata combateu o filme e conseguiu torná-lo um fracasso de público. Antes do lançamento, os produtores de Hollywood ofereceram uma fortuna à RKO para que destruísse o negativo e as cópias, por medo das represálias de Hearst à indústria cinematográfica (e também para agradá-lo). Consta que o que mais incomodou o magnata foi a maneira como Welles retratou sua amante, Marion Davis, que ele transformou em estrela de cinema nos anos 20. Não deixe de ver ou rever.