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Ciclo resgata filmes sobre o golpe de 1964

Ciclo de filmes sobre os 40 anos do golpe de 1964 reúne clássicos do Cinema Novo e obras laudatórias do regime. Direita e esquerda dividem as telas do Centro Cultural de São Paulo

Por Agencia Estado
Atualização:

O Centro Cultural São Paulo (CCSP) abre hoje um ambicioso ciclo Golpe de 64: Amarga Memória, com os filmes que lembram o período 1964-1985. A mostra de filmes do CCSP traz uma miscelânea de clássicos do Cinema Novo, filmes marginais, produções ultra-independentes e até documentários encomendados pelo regime militar para louvar a era do "milagre econômico" - os do repórter Amaral Neto, entre eles. Nas duas semanas da mostra, o público vai ter acesso a obras díspares produzidas antes, durante e depois do golpe, entre elas o documentário O Que É o Ipês?, de Jean Manzon, e a cinebiografia de João Goulart, Jango, dirigida por Sílvio Tendler, um dos filmes da abertura ao lado de Os Anos JK, Uma Trajetória Política, do mesmo autor. Um complementa o outro. O documentário de JK acompanha mais de 30 anos da política brasileira, do Estado Novo de Getúlio Vargas aos anos de chumbo, como ficou conhecido o período da ditadura militar. O filme de Jango conta o que aconteceu no País quando o presidente foi a uma reunião do Automóvel Clube do Rio de Janeiro, no dia 30 de dezembro de 1964, fez um inflamado discurso marxista e foi derrubado no dia seguinte por um fulminante golpe militar. Jean Manzon, execrado pela esquerda, já havia, de certo modo, antecipado a queda no primeiro filme citado, O Que É o Ipês? (1962), que começou a rodar dois anos antes do golpe de 64. Para quem não sabe, a meta dos Ipês (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) era mandar Jango e os comunistas para o espaço - mais ou menos como fizeram com a cadela Laika, que os russos colocaram em órbita numa viagem sem volta. Manzon carregou nas tintas em seu alerta sobre os perigos do totalitarismo. Mixou imagens da Revolução Cubana com flashes da União Soviética e, não satisfeito, ainda colocou a voz de Hitler discursando em off. O público, assustado, engolia. Ao mesmo tempo, não conseguia fechar os olhos para filmes como Cinco Vezes Favela (realizado no mesmo ano), um dos primeiros a subir o morro para mostrar desempregados fugindo da polícia e latifundiários ameaçando favelados. Reinaldo Cardenuto Filho, que teve a idéia da mostra, nunca ouvira falar desses filmes. Aos 23 anos, pensando nos garotos e garotas de sua geração, que só ouviram falar da Revolução de 64 pelos livros, Cardenuto passou meses correndo atrás de filmes marcantes da época. Conseguiu localizar até o avô de Cidade de Deus, o filme Fábula, do sueco Arne Sucksdorff. Excelente fotógrafo, premiado com o Oscar, fez uma comovente obra sobre crianças de favelas cariocas que se viravam nas ruas de Copacabana, justamente no ano do golpe. O filme só foi visto um ano depois - ainda assim sob ameaças de bomba nos cinemas que o exibiam. Sucksdorff, que adorava o Brasil, abandonou o cinema e foi viver com uma índia em Mato Grosso. Velho e doente, voltou para Estocolmo e morreu em 2001. Fábula passa na quinta, pouco antes de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, lançado justamente no dia do golpe militar de 1964. No mesmo dia está programada uma avalanche de curtas de Jean Manzon finalizados no mesmo ano, que alertam o público para os perigos do comunismo O Que É Democracia e Conceito de Empresa, entre eles. Glauber Rocha, que depois elegeria o general Golbery do Couto e Silva (mentor do SNI) como "gênio da raça", era visto pela elite intelectual. Manzon, pelo povão. Hoje, eles dividem programa duplo. Assim, direita, esquerda e outras direções estão reunidas lado a lado por meio de autores do Cinema Novo - Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Gustavo Dahl - e a a turma do cinema marginal que eles odiavam - João Silvério Trevisan, Andrea Tonacci e André Luiz Oliveira, realizadores de filmes transgressivos até mesmo para a patrulha da vanguarda oficial cinema-novista. O experimental Trevisan, que se tornaria um grande escritor (Ana em Veneza), comparece com um filme desafiador, Orgia, ou O Homem Que Deu Cria, um caso de parricídio que funcionou como alegoria política e resposta ao autoritarismo do Ato Institucional 5 (AI-5), promulgado dois anos antes. Mostra Golpe de 64 - Amarga Memória - Centro Cultural São paulo (R. Vergueiro, 1.000, Paraíso, tel. 3277-3611). De hoje até o dia 24. Entrada gatuita.

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