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Ciclo repassa toda a obra de Luís Sérgio Person

A mostra do CCBB se chama Um Cineasta de São Paulo, mas poderia ser do Brasil ou do mundo, pois seus grandes filmes, como São Paulo S.A. e O Caso dos Irmãos Naves, vão muito além da geografia e cinematografia paulista

Por Agencia Estado
Atualização:

Há grandes mitos no cinema brasileiro, autores que desafiam a análise racional e são santificados num clima de Fla-Flu que radicaliza desnecessariamente as posições pró e contra: Mário Peixoto e Glauber Rocha. E existem os grandes diretores sobre os quais se pode falar com discernimento e também distanciamento crítico, valorizando neles os homens, os artistas. Nelson Pereira dos Santos é um caso, Luís Sérgio Person, outro. Com curadoria do crítico Amir Labaki, começa amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a mostra Person - Um Cineasta de São Paulo. Vai até dia 6, com a exibição da íntegra da obra do diretor, o que inclui seu primeiro longa: a chanchada Marido Barra-Limpa, de 1957, cujo crédito de direção costuma ser atribuído a Renato Grecchi. Pode ser que o filme revele qualidades que o próprio Person não reconhecia e, por isso, renegava aquela primeira experiência anterior ao seu amadurecimento como diretor. Você vai ver, em seguida, o filme que colou em Person a etiqueta de cineasta paulista: São Paulo S.A.. Ninguém filmou São Paulo como ele, mas talvez seja reducionismo circunscrever o raio da admiração pelo autor a esse rótulo. Ao mesmo tempo que fala sobre São Paulo, Person faz, nesse grande filme, a crítica da industrialização do País (e isso em 1965!). Ele não critica esse processo de forma saudosista, mas de maneira a mostrar o drama dos que terminam vítimas de um processo de acumulação capitalista voltado apenas para o enriquecimento material e que tritura todos os valores que não estejam diretamentos relacionados à produção de bens de consumo. Hélio Nascimento analisa muito bem o clássico de Person em seu livro Cinema Brasileiro, entendendo toda a complexidade de que se reveste o carro, a própria indústria automobilística, para o autor. Outro crítico, José Wolf, identifica em Carlos, o protagonista de São Paulo S.A., o que chama de tragédia do "homem-multidão". Ele disse que nenhum outro filme brasileiro havia mostrado até então (e, talvez, até hoje) um close-up tão carne-e-sangue do homem automatizado, que vira peça de uma engrenagem e tem de enfrentar todos os dias e todas as horas a mesma rotina, a mesma monotonia. Com base em Wolf, pode-se ver no depoimento de Person muito mais do que a angústia da geração nascida e criada sob o surto de desenvolvimento da indústria de carros em São Paulo. Por trás desse drama se desenrola outro, espécie de contraponto oculto que termina por englobar o homem urbano de outras (todas as?) latitudes. Labaki poderia ter chamado a mostra de Person - Cineasta do Brasil e até Cineasta do Mundo. Person nasceu em São Paulo, em 1936. Morreu num acidente de carro, em 1976. No emocionado necrológio que lhe dedicou no velho Pasquim, Jaguar disse que ele passou como um meteoro ao largo das panelinhas do Cinema Novo. Acrescenta que conseguiu ser intelectual sem ser chato ou ressentido. E lembra que tinha um riso gostoso, contagiante. Person estudou cinema na Itália. Incorporou muita coisa do realismo interior de Michelangelo Antonioni à estética de São Paulo S.A. - e o mestre italiano também influenciou decisivamente outro grande do cinema de São Paulo, Walter Hugo Khouri, que realizou, em 1964, um ano antes da obra-prima de Person, Noite Vazia. No filme seguinte do diretor, "O Caso dos Irmãos Naves", de 1967, a fonte de influência foi o Francesco Rosi de O Bandido Giuliano. Com base num erro judiciário da época do Estado Novo, Person fazia a ponte para falar da outra ditadura que oprimia, então, o povo brasileiro. O restante de sua obra não é do mesmo nível, mas o fato não é indesligável das condições em que viviam os intelectuais do Brasil sob a ditadura militar. A mostra do CCBB vai permitir que se reveja a íntegra da obra do diretor. Começa amanhã com o curta Al Ladro, que Person fez na Itália, em 1962. Na seqüência, Marina Person, filha do cineasta, apresenta trechos do seu documentário ainda inédito, Person. E a programação deste primeiro dia inclui outro documentário - Luzes, Câmera: Luís Sérgio Person, que a TV Cultura produziu em 1975. É uma oportuidade rara para se (re)descobrir um dos grandes nomes do cinema no País. Mostra Person - Um Cineasta de São Paulo. Quarta, às 17 horas, Marido Barra Limpa/57-67, de Luís Sérgio Person; quarta, às 19 horas, sábado, às 15 horas, São Paulo SA/65, de Luís Sérgio Person. Quinta, às 17 horas, Trilogia do Terror/68 de Luis Sérgio Person, José Mojica Marins e Ozualdo Candeias; quinta e sábado, às 19 horas, O Caso dos Irmãos Naves/67, de Luís Sérgio Person. Sexta, às 15 horas, domingo, às 17 horas, Panca de Valente/68, de Luís Sérgio Peson; sexta, às 17 horas, domingo, às 19 horas, Vicente do Rego Monteiro/75, de Luís Sérgio Person, e Cassy Jones, o Magnífico Sedutor/72, de Luís Sérgio Person. Sábado, às 17 horas, debate: O Cinema de Person. Domingo, às 15 horas, Al Ladro/62, de Luís Sérgio Person, Óttimista Sorridente, de Luís Sérgio Person, e Marido Barra Limpa/57-67, de Luís Sérgio Person e Renato Grecchi. De terça a domingo. Cinepasse: R$ 8,00 (p/ todas as sessões). Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro de São Paulo, tel. 3113-3651. Até 6/10. Amanhã (24), abertura somente para convidados.

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