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Ciclo explora cinema e literatura do Japão

Filmes de Kenzi Mizoguchi, Mikio Naruse e Kon Ichikawa estão na mostra que começa nesta terça no CCSP

Por Agencia Estado
Atualização:

Paulo Fontoura Gastal, o P.F. Gastal, patriarca da crítica de cinema no Rio Grande do Sul, teria amado o ciclo que começa nesta terça-feira no Centro Cultural São Paulo. Gastal, que também se assinava Calvero - educou toda uma geração de críticos gaúchos na admiração reverente a um cineasta que colocava no topo do seu panteão particular, Mikio Naruse. Não era excentricidade. Uma homenagem no Festival de Locarno em 1998 e uma grande retrospectiva, no ano passado, no Centro Georges Pompidou, o Beaubourg, em Paris, levaram o mundo todo a dar-se conta do que Gastal nunca deixou de proclamar. Por fazer a síntese do cinema de Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi, o cinema de lágrimas de Naruse seria, dizem agora os admiradores multiplicados do autor, uma das supremas, senão a suprema, realização do cinema japonês. Você poderá confirmá-lo no ciclo Japão: Cinema e Literatura, que vai mostrar obras clássicas do cinema japonês e outras menos clássicas, talvez, mas igualmente fortes pelo olhar que lançam sobre o país, a partir da ponte que se estabelece entre filmes e livros. De Ozu, Naruse se apropria do tema da família japonesa tradicional, também mapeando suas transformações sob o peso do desenvolvimento histórico. De Mizoguchi, o estudo da mulher numa sociedade controlada pelos homens. Os dois temas estão presentes em Vida de Casado. A condição da mulher também está na essência de outra pérola da programação. Em Eros + Massacre, Yoshihige Yoshida também põe o foco na figura da mulher. Embora o filme se baseie na biografia do anarquista japonês Osuge Sakae, Yoshida coloca a mulher no centro dos acontecimentos políticos e sociais que convulsionaram o Japão no século passado. Há muito mais para ver no ciclo do CCSP. Dois filmes de Kon Ichikawa (As Irmãs Makioka e A Harpa da Birmânia, também conhecido como Não Deixarei os Mortos, adaptados, respectivamente, de Tanizaki e Michio Takeyama), a obra-prima pela qual o grande Mizoguchi talvez seja mais reverenciado no Ocidente (Contos da Lua Vaga), um dos filmes mais famosos de Yasuzo Masumura, diretor que pertence à geração de Yoshida (Manji, também baseado em Tanizaki), uma adaptação do polêmico Yukio Mishima (O Pavilhão Dourado, direção de Yoichi Takabayashi). Há muito o que ler, também. Três editoras, Clássicos Conrad, Estação Liberdade e Companhia das Letras, lançam quatro livros direta ou indiretamente ligados aos filmes que serão exibidos. Junichiro Tanizaki assina três deles: Voragem, A Chave e Diário de um Velho Louco, respectivamente pela Companhia (os dois primeiros) e pela Estação (o terceiro). Memórias de um Anarquista Japonês, de Osugi Sakae, sai pela Conrad. Sensualidade - Uma citação na contracapa do Diário serve como aproximação ao universo de Tanizaki. É uma frase do velho louco: "Não tenho nenhuma intenção de me apegar tenazmente à vida, mas uma vez que continuo vivo não posso deixar de sentir atração pelo sexo oposto." Tanizaki participou da escola Tanbiha, que valorizava arte e beleza acima de tudo. Seu universo, informa a orelha do livro - mas isso já sabe quem leu A Chave, que deu origem ao filme de Tinto Brass com Steffania Sandrelli -, é intimista e centrado na sensualidade e no relacionamento físico entre pessoas que, na tradição do budismo, desconhecem a noção do pecado e lançam-se, vorazmente, a jogos de infidelidade, fetichismo, sadismo e voyeurismo. É um ciclo e tanto, mas, como toda programação, tem obras que incitam mais ao entusiasmo. Os Contos da Lua Vaga após a Chuva, de Mizoguchi, baseiam-se na obra de Akinari Ueda, autor que viveu no século 18, em plena era feudal do Japão. Os críticos perdem tempo discutindo qual é a obra-prima de Mizoguchi, se Contos ou as demais obras que ele fez na empresa Daiei: O Intendente Sansho e Os Amantes Crucificados, para não falar de A Vida de O´Haru. Há em todos esses filmes um mix de violência e serenidade, são filmes que combinam, no dizer de um crítico, "o olho do pintor e a alma do poeta". Enfim, acrescenta muito dizer que, se existe um culto a Mizoguchi, Jean-Luc Godard é um de seus oficiantes. O diretor mais revolucionário do cinema descobriu a perturbadora grandeza de um clássico. Godard amava particularmente Kinuyo Tanaka e a questão não é essa. Como não amar a atriz que foi a cortesã O´Haru, cuja presença é tão marcante em Contos e que, além do mais, filmou com Ozu e Naruse? Naruse, muito justamente. Vida de Casado, adaptação do romance de Fumiko Hayashi, começa com uma interrogação. Michiyo, interpretada por Setsuko Hara, também atriz dos filmes de Ozu, pergunta-se onde foram parar as esperanças e sorrisos de outrora. Casada há apenas três anos, ela e o marido vivem uma relação que parece marcada pela fadiga. Vive cansada das lides de casa, atendendo ao marido que também se queixa do excesso de trabalho e chega em casa só para comer. O filme, por sinal, se chama Le Repas em francês, "a refeição", como se fosse só esse o sentido do casamento, uma satisfação dos apetites, sexuais, inclusive. O filme não termina sem que haja uma transformação, feita com aquela delicadeza que fazia dos melodramas de Naruse obras suntuosas no seu rigor estilístico. E há Eros + Massacre, o filme mais "revolucionário" dessa programação. Yoshida, o mais francês dos diretores da nouvelle vague japonesa, formou-se em literatura da França, com um trabalho de final de curso baseado em Jean-Paul Sartre (O Ser e o Nada). Cineasta intelectual, apaixonado por Alain Resnais e também Michelangelo Antonioni, Yoshida fez um filme que comporta vários níveis de leitura, tomando como ponto de partida a vida e a morte do anarquista Osugi Sakae e sua influência sobre a juventude niilista dos anos do boom econômico. Um ciclo desses estimula a reflexão. E a leitura. Só para constar: a Fundação Japão, que co-patrocina o evento, anuncia que trará, ainda este ano, a São Paulo, o grande Yoshida, para discutir sua obra com o público paulistano. Serviço Japão: Cinema e Literatura. Terça, às 16h, As Irmãs Makioka/83, de Kon Ichikawa, dur. 140 min.; terça, às 20h, Contos da Lua Vaga Depois da Chuva/53, de Kenji Mizoguchi, dur. 97 min. Quarta, às 16h, Castelo de Areia/74, de Yoshitaro Nomura, dur. 120 min.; quarta, às 20h, O Rio sem Pontes/92, de Yoichi Higashi, dur. 109 min. Quinta, às 16h, Vida de Casado/51, de Mikio Naruse, dur. 97 min.; quinta, às 20h, ´Eros + Massacre´/69 de Yoshishige Yoshida, dur. 168 min., legs. em inglês. Sexta, às 16h, sábado, às 20h, Tsugumi/90, de Jun Ichikawa, dur. 105 min.; sexta, às 20h, domingo, às 16h, Ferrovia das Galáxias/96, de Omori Kazuki, dur. 111 min. Sábado, às 16h, O Rio sem Pontes/92, de Yoichi Higashi, dur. 109 min.; sábado, às 18h, Vida de Casado/51, de Mikio Naruse, dur. 97 min. Domingo, às 18h, Castelo de Areia/74, de Yoshitaro Nomura, dur. 120 min.; domingo, às 20h, As Irmãs Makioka/83, Kon Ichikawa, dur. 140 min. De terça a domingo. Grátis. Centro Cultural São Paulo - Sala Lima Barreto. Rua Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3277-3611. Até 21/7.

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