Lágrimas, aplausos e distanciamento na volta ao cinema

Frequentadores festejaram retorno às salas neste sábado, 10, primeiro dia da reabertura; no Petra Belas Artes, cerca de 35 pessoas compareceram à primeira sessão, que exibiu ‘Apocalipse Now’

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Por Júlia Corrêa
Atualização:

Foi com aplausos do público, choro de funcionários e ordens de distanciamento logo na entrada que o Petra Belas Artes reabriu suas portas na tarde deste sábado, 10. Após sete meses de fechamento dos centros culturais, com atrações adaptadas para formato de drive-in e transmissões virtuais, os paulistanos puderam, finalmente, voltar a aproveitar a tradicional programação da Capital, que chegou à fase verde da quarentena. Como um convite para as pessoas saírem de casa, o sol se abriu na cidade depois de três dias chuvosos.

Cerca de 35 pessoas compareceram à primeira sessão, que exibiu 'Apocalipse Now'. Foto: Taba Benedicto

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“É uma sensação maravilhosa. Eu estava aguardando há um bom tempo. Já estava na hora de reabrir, com toda a cautela e respeito às normas, claro. O paulistano precisa desse tipo de descanso”, declarou, na fila da bilheteria, a terapeuta Roberta R. Leal que, em tempos normais, costuma assistir a três ou quatro filmes por semana no local, tido por ela como uma segunda casa.

Assim como Roberta, o professor Jorge Tenório Fernando foi ao Belas Artes para assistir a Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, filme que marcou a reabertura. A impressão é que poderia ser qualquer título a ser exibido – o que interessava a ele era poder sentir novamente a atmosfera da sala de cinema.

Assim que soube da reabertura, Jorge Tenório Fernando comprou ingressos imediatamente. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Fiquei até emocionado. Quando soube ontem que os cinemas reabririam, imediatamente entrei no site e comprei o ingresso. Minha vontade era entrar na primeira sessão e sair só quando alguém me mandasse embora”, brinca Jorge, que já se organizou para ver outro filme amanhã mesmo. “Saí muito pouco durante a quarentena. Estava sem ter o que fazer; acho muito chata essa história de live”, acrescenta ele.

No saguão colorido, ambiente no qual os cinéfilos costumam se aglomerar e conversar sobre os filmes antes e depois das sessões, funcionários mediam a temperatura das pessoas que entravam, e davam ordens para que mantivessem o distanciamento na fila, conforme as marcações fixadas no piso. Uma proteção de acrílico ainda separava o público dos atendentes da bilheteria e, na bomboniere, todos os itens eram entregues lacrados em embalagens de papel.

Lotação máxima é de 60% da capacidade da sala. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Cerca de 35 pessoas compareceram à sessão de reabertura. Dentro da sala, cuja lotação máxima permitida é de 60% da capacidade do espaço, os protocolos estabelecem um distanciamento de 1,5 m entre os espectadores. Mas, como explica Juliana Brito, diretora executiva do cinema, a disposição varia a depender, por exemplo, de haver casais ou grupos que adquirem ingressos em poltronas contíguas. Outra mudança foi o estabelecimento de um intervalo maior entre as sessões, para que a equipe de limpeza possa higienizar as salas mais detidamente.

Toda essa dinâmica, claro, exigiu a adaptação dos funcionários que, até então, estavam trabalhando no drive-in do Belas Artes, instalado no Memorial da América Latina. Andressa Lopes, gerente operacional do cinema, revela estar satisfeita com a retomada: “é uma energia diferente ter esse contato com o público sem ser através do carro”, avalia.

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Retorno dopúblico alegra a funcionáriaAndressa Lopes. Foto: Taba Benedicto

“Foi muito sofrido ficar fechado todo esse tempo”, declara André Sturm, proprietário do Belas Artes. Emocionado ao ver o retorno do público, ele destacou o esforço que foi feito, incluindo uma campanha de crowdfunding, para preservar a equipe e realizar a manutenção do espaço. Isso tudo um ano após um imbróglio que quase deixou o cinema, que hoje leva o nome da cervejaria Petra, sem um patrocinador.

Daqui para a frente, até o fim da pandemia, será essa a nova realidade do icônico cinema da Rua da Consolação. Ao que parece, os frequentadores estão dispostos a seguir todos os protocolos para poderem sentir novamente a emoção de ficar de frente para a tela grande.

DEPOIMENTO

A repórter Paloma Cotes relata a experiência de ter ido ao cinema após a retomada das atividades na Capital

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"Das coisas que mais sentia falta em todo esse período de pandemia, ir ao cinema certamente era uma delas. Até este sábado. Fui uma das repórteres que acompanhou a entrevista coletiva em que o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou a tão esperada retomada dessa atividade na capital. Quando veio a confirmação, senti algo que a pandemia vem nos tirando cotidianamente: senti esperança – uma esperança de que, de alguma forma, a vida vai voltar a ter alguma normalidade. Acordei cedo neste sábado, por volta de 7h, (sou uma pessoa matutina) e a primeira coisa que fiz não foi olhar o Whatsapp, como sempre faço. Comecei a olhar os sites de espaços culturais e cinemas que ficam perto de casa. Nenhum filme chamou minha atenção em especial.

Quando contei a um amigo que ia ao cinema, ele perguntou: "que filme você vai ver?". Eu respondi: "qualquer um.". Escolhi um que me chamou a atenção pelo elenco e pelo título e fui na primeira sessão que consegui, por volta de 14h40. Comprei meu ingresso num totem de auto-atendimento, como sempre fiz. Ao entrar no espaço, deu pra sentir que ainda vai levar tempo a retomada. Estava tudo vazio. As atendentes conversavam no caixa, despreocupadas, mas com máscaras e faceshields. Os letreiros traziam mensagens sobre os protocolos e ações de higiene. O dispenser com álcool em gel estava na entrada. Não havia a tradicional fila para comprar pipoca. O café, sempre com mesas disputadas na pré-pandemia, tinha apenas um cliente, que desejou sorte à proprietária e à garçonete.

Repórter do 'Estadão' foi ver filme no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca. Foto: Paloma Cotes

Subi para a sala onde veria o filme e a conferência do ingresso foi apenas visual, como recomenda o protocolo. Entrei na sala, sentei na minha poltrona e tive a sensação de que teria uma sala somente para mim. E quase tive. Pouco tempo depois, entrou mais uma pessoa, que sentou oito fileiras distante de mim. E fomos só nós na sessão. Usei máscara o tempo todo, ela é obrigatória. E, mesmo que não fosse, acho que não teria coragem de tirar em um ambiente público.

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Quando as luzes se apagaram, meu coração acelerou. E quando a tela exibiu um filme institucional que dizia que a emoção do cinema é insubstituível, eu chorei. O cinema sempre fez parte da minha vida, ia três, quatro vezes por semana antes da pandemia. Não ia fazia sete meses. O filme era bom, o elenco era ótimo e, por um par de minutos, tive a sensação de que estava vivendo de novo um pouco da minha antiga vida, uma vida que eu adorava."

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