Chinês Yu Lik Wai escolhe São Paulo para rodar 'Plastic City'

Filme, que conta com o ator japonês Odajeri Joe, é a primeira co-produção entre Brasil, China e Japão

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Por Flavia Guerra e de O Estado de S.Paulo
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Numa tarde na USP, o ator japonês Odajeri Joe espera, calmo, sentado numa cadeira de plástico, a hora do almoço acabar para voltar ao trabalho. Passou o dia todo filmando no ‘Esqueleto’, um prédio abandonado na entrada da Cidade Universitária. Odajeri passou despercebido dos freqüentadores da USP, que poderiam tê-lo confundido com um aluno ou um skatista pronto a tirar proveito das rampas do edifício. Em outra tarde, desta vez na Liberdade, o mesmo Odajeri também esperava encontrar igual calmaria. Nada poderia ter sido mais diferente. Ao reconhecer que se tratava do ‘Brad Pitt do Japão’, desfilando pelo bairro japonês de São Paulo, uma fã se emocionou e começou a chorar.   Veja também: Making-of das gravações de 'Plastic City' em SP    Parece coisa de cinema. E é. Odajeri Joe é o protagonista da primeira co-produção entre Brasil, China e Japão e passou o mês em locações como Liberdade, Copan, Santos até a Mata Atlântica. Plastic City é o nome do filme, que mergulha no universo das máfias chinesa e japonesa no Brasil, revelando o mundo paralelo nascido a partir da mistura do sangue frio oriental ao sangue quente brasileiro. O filme, orçado em R$ 5,5milhões, narra a saga de um imigrante chinês, Yuda, no País. Procura a prosperidade na Amazônia, mas a encontra de fato no contrabando e se torna um chefão da máfia. Seu legado será deixado para o filho Kirin (Odajeri), que Yuda adotou depois que o menino perdeu a família japonesa na selva amazônica.   O filho pródigo Odajeri Joe é nome fortíssimo do show biz japonês. Já dividiu a cena com Takeshi Kitano em Blood and Bones, de Yoichi Sai. Foge da imprensa como os maiores astros de Hollywood e em seu país só concede entrevistas para revistas, fazendo questão de conferir antes os textos escritos. O diretor é o chinês Yu Lik Wai, nome de peso do cinema internacional. Fotógrafo dos cultuados longas do também chinês Jia Zhang Ke (vencedor em Veneza, em 2006, com Em Busca da Vida), é também colaborador de diretores como Wong Kar Wai e figurinha fácil em festivais como Cannes (seu longa anterior, All Tomorrow’s Parties, integrou a seleção Un Certain Regard em 2003, e seu primeiro filme, Love Will Tear Us Apart, participou da competição em 1999).   Com Zhang Ke e Chow Keung, ele abriu a produtora Xstream Pictures e investe no cinema asiático de apelo internacional. Foi por acaso que Lik Wai decidiu filmar seu terceiro longa no Brasil. Em 2003, estava em São Paulo finalizando um filme, quando ‘descobriu o Brasil oriental’. "Este Brasil que a gente não tem idéia que existe. Não sabia nada sobre São Paulo, a imigração japonesa, chinesa, a realidade de quem vem para cá tentar uma nova vida e, muitas vezes, deixa certas amarras do velho país para se prender a novas no novo."   Foi pensando no choque de mundos que só poderia ocorrer em uma metrópole como São Paulo que o diretor criou sua cidade de plástico. Plastic City é um filme sobre a cidade e a gente de São Paulo, mas poderia se passar em Hong Kong. "São Paulo é mais frenética e complexa que Hong Kong. Deixo claro no filme que a história se passa aqui, mas não é um retrato documental, mas surrealista."   Para acompanhá-lo na jornada, Lik Wai escolheu a dedo seus parceiros. O braço brasileiro do filme é a Gullane Filmes, produtora de longas como Chega de Saudade, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Carandiru e Bicho de Sete Cabeças. "Não é só uma co-produção no sentido de prestação de serviços. É uma verdadeira criação conjunta", dizia o produtor Caio Gullane enquanto via Lik Wai e equipe tentarem se entender em chinês, português e inglês.   Caio tem razão. Sensível às sutilezas que todo ‘ecossistema complexo’ como a capital paulista pode ter, Lik Wai quis escrever o roteiro de Plastic City em parceria com Fernando Bonassi. Autor de roteiros como Carandiru e Cazuza, Bonassi viu na forma oriental de ver o mundo de Lik Wai um prato cheio. Sem se sentir na obrigação de seguir a escola realista que o cinema brasileiro muitas vezes se vê obrigado a seguir, o chinês não está nem aí para o real. Por isso, após rodar nos subsolos alagados do Esqueleto, que na tela vão parecer com uma galeria de esgotos onde Kirin, o personagem de Odajeri, seleciona seu exército de jovens mafiosos, Lik Wai e equipe literalmente puseram fogo na laje do prédio para cenas que serão usadas em um incêndio provocado por Kirin em um barco. Surreal, mas verdadeiro.   É esta liberdade onírica, que beira o desprendimento de um mangá (o clássico quadrinho japonês), que Lik Wai busca atingir em Plastic City. Não é tarefa fácil. Diretor e equipe têm de lidar com cenas em que Odajeri atua em japonês enquanto ouve o elenco brasileiro (com nomes como Alexandre Borges, Tainá Müller e Babu Santanna) rebater os diálogos em português e o chinês (com nomes como a diva Huang Yi e Anthony Wong) responder em mandarim. "Não sei direito o que estamos fazendo. Meu papel é de um segurança. O japonês fala na língua dele. Respondo na minha. No fim, veremos no que vai dar", comentou Babu. Lik Wai concorda: "Foi difícil no início. Mas esse estranhamento será bom para o filme. É isso que quero provocar", garante ele, que se prepara hoje para rodar em Bertioga cenas que na história se passam na Amazônia.

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