"Chicago" brilha no Festival de Berlim

Forte candidato ao Oscar, musical estrelado por Catherine Zeta-Jones, Renee Zellweger e Richard Gere abriu oficialmente o evento nesta quinta

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Por Agencia Estado
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Foi só um refresco, anunciou o próprio diretor da Berlinale, Dieter Kosslik. A seleção do 53.ª Festival de Berlim põe ênfase na política e assim foi como um corpo meio estranho que Chicago se encaixou na programação. O musical de Rob Marshall com Richard Gere, Catherine Zeta-Jones e Renee Zellweger abriu hoje oficialmente o evento. Vieram todos: o diretor, o quarteto de atores (além dos três citados, há também John C. Reilly, que tem, talvez, o melhor número, Zellofane). É a estréia de Marshall na direção. Coreógrafo, ele co-assinou a remontagem de Cabaret que Sam Mendes dirigiu na Broadway. Marshall anda na cola de Bob Fosse. Depois de Cabaret, o título mais famoso da carreira de Fosse - embora O Show Deve Continuar (All That Jazz) tenha lhe dado a Palma de Ouro em Cannes -, ele dirige agora no cinema o musical que o outro montou no teatro e com o qual obteve um êxito extraordinário. Chicago é considerado um dos mais fortes candidatos às indicações para o Oscar, que saem na semana que vem. Hollywood parece estar redescobrindo o gênero que chegou a ser uma das tendências dominantes da produção americana, nos anos 1940 e 50, nos áureos tempos da Metro. Nos 60 e 70, musicais como My Fair Lady, A Noviça Rebelde e Cabaret chegaram a ganhar o Oscar, mas eram superproduções de outras companhias, a Warner e a Fox. Com o sucesso de Moulin Rouge, em 2001, Hollywood achou que valeria a pena investir em novos filmes cantados e dançados. O musical, como uma fênix, ressurgiu. Há vários em pré-produção ou pelo menos anunciados como projetos para o biênio 2003-2004. Talvez seja puro escapismo. Com o ímpeto guerreiro do presidente Bush, nada melhor do que um musical para esbaldar o Id no escurinho do cinema - ou refrescar, simplesmente -, ante a ameaça dos bombardeios que não devem tardar. A 53.ª Berlinale abriu, portanto, sob o signo do canto e da dança e mais uma vez confirmando que existe uma sintonia entre o festival e Hollywood. Todo ano é a mesma coisa. O Globo de Ouro pode ser a prévia do Oscar nos EUA, mas Berlim também é uma vitrine para o prêmio da academia. Embora selecionados com antecedência, os filmes americanos que integram a programação da Berlinale - em concurso ou não - muitas vezes vão parar no Oscar e vários saem vencedores. Por isso mesmo, cada vez mais há críticos que sustentam que o Forum é hoje o verdadeiro coração desse festival. Embora os filmes que passam nessa seção não concorram ao Urso de Ouro, seu diretor, Christoph Terhechte, garante que é lá que se encontram as tendências mais ousadas e ricas do cinema mundial. Bom para o Brasil, que tem dois filmes no Forum: Amarelo Manga, de Cláudio Assis, que passa no sábado, e Rua Seis sem Número, de João Batista de Andrade, na quinta-feira, dia 13. O terceiro longa brasileiro em Berlim é O Homem do Ano, que José Henrique Fonseca adaptou de Patrícia Melo (O Matador) e passa no Panorama. Não é para desdenhar da competição, mas o Panorama, que integra a seleção oficial, também possui a fama de oferecer uma programação mais variada (e representativa do que ocorre no cinema mundial). Catherine Zeta-Jones estava esplendorosa na coletiva realizada no Hyatt Hotel, após a projeção de Chicago para a imprensa. No caso dela, realmente, não é pedir muito. Os homens suspiravam por Catherine, achando que o maridão da estrela, Michael Douglas, é um sortudo. As mulheres suspiravam pelas cãs de Richard Gere, que exibiu o tempo todo seu sorriso mais profissional. Ele confirmou que não queria fazer o filme que lhe deu o Globo de Ouro de melhor ator de comédia ou musical. Admitiu que filmes nos quais se empenhou, muito mais a fundo, não lhe renderam tanto prestígio. Apenas sorri quanto a suas chances no Oscar. Diz que é melhor esperar, para ver. E Chicago tem classe. Bob Fosse, na sua grande fase, não teria feito melhor e esse é um grande elogio que se pode fazer a Marshall. Para resolver o problema que muita gente identifica no gênero - a ação tem de parar para que os atores cantem e dancem -, o diretor Marshall transformou o filme num sonho da personagem de Renée Zellweger, o que torna mais justificáveis, digamos, as encenações teatrais e ainda lhe permite recriar essas cenas como no teatro. Embora o nome de Catherine Zeta-Jones venha antes, Renée é a verdadeira protagonista da história. Mata o amante que prometia transformá-la numa estrela. Vai parar na mesma cadeia onde já está Catherine, como uma estrela, ela sim, que matou o marido e a irmã, surpreendidos na cama. A idéia do filme, que não é tão escapista assim, é que a Justiça também faz parte do show business. O advogado Richard Gere canta que só o que lhe interessa é o amor, mas o que conta mesmo é o dinheiro. Não falta a guardiã lésbica, mas não há nada em Chicago que lembre o convencionalismo no tratamento desse tipo de personagem. As canções são as mesmas do show da Broadway. As coreografias mudaram, não são mais as de Bob Fosse, mas a sombra dele está sempre presente. Rob Marshall usa muito a montagem paralela, responsável por alguns dos momentos mais fortes de Cabaret. E todos os seus balés parecem variações de Hei, Big Spender, um número particularmente brilhante do primeiro filme de Fosse, Charity Meu Amor, a versão musical de As Noites de Cabíria, de Federico Fellini. Melhor do que isso, só mesmo as homenagens que o Festival de Berlim já prestou hoje. Um filme de Friederich Wilhelm Murnau, dos anos 1920, inaugurou a retrospectiva do grande diretor que foi um dos expoentes do expressionismo. A cópia, especialmente restaurada pela Berlinale, de Der Gang in Die Nacht, permite sonhar com o que serão as projeções dos grandes clássicos de Murnau: Nosferatu, A Última Gargalhada e Aurora. A homenagem à atriz francesa Anouk Aimée, que receberá um Urso de Ouro especial por sua carreira, inclui outra retrospectiva, que começa amanhã, com A Doce Vida. Telões espalhados por todos os cantos do palácio do festival, o Palast, exibem cenas de Anouk como Maddalena em A Doce Vida. Parece desnecessário dizer isso, mas como é bom o filme de Fellini! Também em versão restaurada, é puro deslumbramento para os sentidos, por mais que também seja (e como!) um elaborado exercício intelectual.

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