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Chegou a vez do Dogma light

"Italiano para Principiantes" segue os preceitos estéticos do manifesto dinamarquês, mas não inova, nem mergulha em neuroses; é terno e bem-humorado

Por Agencia Estado
Atualização:

Lembram-se do Dogma-95, o voto de castidade dinamarquês que produziu filmes radicais como Festa em Família, Os Idiotas e Mifune? Pois bem, chegou Italiano para Principiantes, da diretora Lone Scherfig, um dogma-light, expurgado das neuroses e perversões que caracterizaram os primeiros filmes do "gênero". Gênero? Mais ou menos. O que os diretores se propunham, recorde-se, era apenas a volta aos fundamentos do cinema, tentando jogar no chão o monte de penduricalhos tecnológicos que o haviam descaracterizado. Qualquer estetização fica proibida, de filmagens em preto-e-branco à música sem justificativa no contexto dramático. O fato é que, prescrições e proscrições à parte, os dinamarqueses, Vinterberg e Von Trier à frente, vieram com disposição para rachar o bom-mocismo estéril do cinema comercial. Foi um sopro de renovação. Este Italiano para Principiantes nada tem de inovador, pelo menos usando-se como termo de comparação seus antecessores de Dogma. Conta uma história bonita, de gente solitária de um subúrbio de Copenhague, que se reúne para aprender italiano numa sala da prefeitura. A idéia é boa. Trabalha no revés de um dos estereótipos europeus, que tem a Itália na conta do país ensolarado (que de fato é), onde a felicidade é possível, onde prazer e romance caminham de mãos dadas. Os alunos incluem um temperamental gerente de bar, que depois se transforma em professor do curso, uma moça feiosa e insegura, que tem como irmã uma cabeleireira bonita; um homem de meia-idade que deseja se declarar a uma das colegas mas tem medo de levar um fora, e por aí vai. Humano, sem nenhuma glamourização. E, nesse ponto, Italiano parece mesmo um Dogma autêntico. Qualquer um dos atores, mesmo a moça bonita, é gente que se pode encontrar numa rua de Copenhague, não uma dessas barbies que só existem nas telas de Hollywood. Trata-se de uma naturalização da imagem, seguida por uma naturalização de comportamentos e de linguagem. Gente como a gente. O Dogma é, de fato, um neonaturalismo e, nesse sentido, Italiano para Principiantes segue a fórmula. É também mais reconhecível para o público, já que, apesar da excelência dos filmes citados anteriormente, fica difícil para um espectador identificar-se com tipos bizarros que se comportam com alguns dos mais execráveis personagens de Nelson Rodrigues. Essa Vida como Ela É escandinava, no entanto, era o que fazia desses filmes experiências interessantes. Iam ao fundo de questões pessoais, jogavam a família tradicional na arena dos seus conflitos, negociavam com personagens dilacerados, hipócritas, cheios das piores intenções. Enfrentando esse tom politicamente incorreto, chegavam a alguma verdade - e essa era a sua compensação. Por outro lado, não se pode evitar a sensação de que Italiano para Principiantes segue a trilha original, mas se desvia a tempo para não espantar um público menos disposto a taras e violências. Seus tipos são comuns, e enfrentam situações duras em que todos podem se reconhecer, como a mãe alcoólatra ou o pai que se torna egoísta e moralista ao envelhecer. Esse preâmbulo no sofrimento é preparação para um happy end conveniente. Nada inverossímil, embora assuma seu lado onírico ao escolher como cenário uma cidade como Veneza. Aliás, a locação na atmofera de sonho da Sereníssima faz algumas pessoas aproximarem Italiano para Principiantes de Pão e Tulipas, de Silvio Soldini. E, de fato, diferenças culturais à parte (este é italiano legítimo, aquele tem a Itália como referência), partilham o mesmo clima terno e bem-humorado. Serviço - Italiano para Principiantes (Italiensk for Begyndere). Comédia dramática. Direção de Lone Scherfig. Din/2000. Duração: 98 minutos. 12 anos

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