Chega aos cinemas o novo filme de Danny Boyle, <i>Sunshine</i>

Longa tem pretensões de clássico, mas não passa de uma colcha de retalhos

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Por Agencia Estado
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Em janeiro do ano passado, entrevistada em Nova York por conta de Memórias de Uma Gueixa, Michelle Yeoh contou que precisava voltar a Londres para rodar cenas adicionais de uma ficção científica que, ela pressentia, ia dar o que falar. Sunshine - Alerta Solar, de Danny Boyle, é o filme em questão. Michelle Yeoh não se enganou. Tem havido muito tititi e os mais entusiasmados fazem a ponte entre o trabalho de Boyle e clássicos do gênero, como 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick. Devem estar brincando, como você poderá confirmar a partir desta sexta-feira, 13. Eventualmente, algum espectador poderá se interessar pelas interrogações científicas e existenciais lançadas por Boyle, sobre o resfriamento solar e o sentido da vida humana e o próprio conceito de Deus, mas Sunshine é uma colcha de retalhos em que o diretor assume, gloriosamente, que não tem estilo - e adora emular o dos outros, mesmo que em cenas que não façam muito sentido. A trama pode ser resumida rapidamente. Uma missão dirige-se para o Sol, estrela que está morrendo. O objetivo é detonar uma bomba atômica no astro, para tentar reacendê-lo, devolvendo luz e calor à Terra. Sete anos atrás, uma outra missão se perdeu no espaço e agora esta outra nave, a Icarus II, representa a última esperança da Terra. A bordo, está o tradicional grupo heterogêneo. Michelle Yeoh faz a cientista que cuida das plantas, no pomar da nave. Cillian Murphy, também presente em Ventos da Liberdade, de Ken Loach - outra estréia, melhor, desta sexta -, é o físico e Chris Evans, o homem de fogo de Quarteto Fantástico, vive em litígio com todo mundo porque parece reconhecer que a missão, salvar a humanidade, é superior a todos os destinos individuais. É interessante assinalar que, quando Kubrick fez sua odisséia clássica, em 1968, a ficção científica já tinha uma longa história no cinema, iniciada com A Viagem à Lua, de Georges Méliès, de 1902. Mas o cinema celebrava a fantasia mais desvairada, com pouca ou nenhuma preocupação com o realismo de cena levado para o espaço. Os anos 60, nem é preciso lembrar, foi marcado pela corrida espacial entre americanos e soviéticos, cada qual tentando provar a superioridade do capitalismo ou do comunismo, plantando sua bandeira na Lua. As missões eram freqüentes, mas pouco também se sabia sobre o cotidiano numa nave. Kubrick fez uma minuciosa descrição do que seria a vida a bordo, alternando os planos de interiores com grandiosos momentos como a valsa das naves no espaço. Kubrick era um visionário. Boyle é... O quê? Um faz-tudo. Cova Rasa e Trainspotting - Sem Limites possuíam qualidades (e o segundo gerou uma polêmica, por sua abordagem crua do tema da dependência química), mas Uma Vida menos Ordinária e A Praia o próprio Extermínio (já com Cillian Murphy), mostraram um diretor com dificuldade para criar um foco em seu cinema e até para conceituar que cinema, afinal, lhe interessava. Existe uma tradição mineira, a das mariquitas, que constroem colchas de retalhos contando fragmentos de vidas (e histórias). Danny Boyle inventou a ficção científica/mariquita e sem o menor pudor, se apossa tanto de autores ?clássicos? (Kubrick, o Andrei Tarkovski de Solaris, o Robert Wise de O Enigma de Andrômeda e Jornada nas Estrelas - O Filme) como recria cenas inteiras de artesãos cujo nome a maioria do público deve ignorar, tipo o Paul Anderson, não confundir com Paul Thomas Anderson, de O Enigma do Horizonte, do qual Sunshine parece ser a refilmagem disfarçada. Tudo é déjà-vu em Alerta Solar. A nave vai, a nave vem e os planos se repetem, talvez com o objetivo de criar um ritmo, pois a música é decisiva para o tipo de espetáculo que Danny Boyle quer criar, mas o excesso de planos de detalhes nos acoplamentos não serve para nada, porque o espectador não sabe minimamente como aquilo funciona. É o tipo do realismo supérfluo. Os conflitos dentro da nave são os de sempre - excesso de testosterona dos rapazes, humanidade das mulheres - e a visão do Sol está ali como substituto do monólito negro, cujo mistério foi a grande sacada de Kubrick em 2001. O encontro de Icarus II com Icarus I é filmado exatamente como o cinéfilo imagina que será - muita sombra, lanternas para criar focos de iluminação que nada revelam, numa tentativa canhestra de alimentar o suspense - e, chavão dos chavões, o louco fantasma da outra nave, obcecado por Deus, parece o satélite artificial que sabotava a missão no primeiro Jornada nas Estrelas. O homem, mais que qualquer ET, é sempre a maior ameaça para os outros homens. Como na maioria dos filmes de Danny Boyle, no desfecho prevalece o tema do sacrifício regenerador e o Sol, como que atendendo à súplica do imortal Nelson Sargento em seu samba, volta a brilhar. Dependendo do estado de espírito do espectador, Sunshine pode ser divertido ou modorrento. Tem coisas belas, mas que ficam ali, soltas. Insinuar que pode ser um novo clássico é ofensivo para os visionários que, no cinema e na literatura, fizeram da ficção científica uma forma intrigante de investigação da ciência (e da arte) de viver. Sunshine - Alerta Solar (Sunshine, Inglaterra/2007, 107 min.) - Aventura. Direção Danny Boyle. 14 anos. Cotação: Ruim

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