Charme discreto de Nelson Xavier é o destaque de 'Comeback'

Ator morto no dia 10 faz papel de pistoleiro no filme do estreante Erico Rassi

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Mais que um faroeste caboclo, Comeback é um filme sobre a velhice. Dirigido por Erico Rassi, traz o grande ator Nelson Xavier (morto dia 10) no papel do protagonista Amador. Ao contrário do que dá a entender o nome, ele é um profissional. Do crime. Da morte. Um matador profissional. Ou foi, já que, pela idade avançada, está afastado do métier. Ganha o pão distribuindo por botecos do interior máquinas de caça-níqueis. 

Amador se queixa de que as coisas mudaram e não para melhor. Sente-se ultrapassado pelas novidades e só revive quando um jovem o procura para que o inicie na carreira. Em paralelo, uma dupla de jornalistas deseja fazer uma reportagem sobre a pistolagem da região e busca Amador para que a oriente nos meandros do crime. A subtrama não funciona tão bem. 

Mestre. Xavier constrói personagem com toda a dignidade Foto: O2 PLAY

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Quando Nelson Xavier morreu, a maior parte dos obituários destacou seus dotes de interpretação minimalista. Em Comeback essa virtude do ator é explorada ao máximo. Xavier não é apenas discreto; chega a ser abstrato, de tão lacônico. Essa opção joga em favor do filme. 

Como joga também o tipo de ambientação escolhida. Rodado na periferia de Anápolis, em Goiás, Comeback aproveita-se do clima indefinido entre o rural e o urbano. As primeiras cenas introduzem o espectador lentamente no ambiente de um bar modesto, ao som de Altemar Dutra. Num canto, um homem de chapéu, cabeça encostada na parede, cochila. É Amador, que desperta da letargia quando alguém o procura. 

O filme tem virtudes cinematográficas. O registro fotográfico é bonito e explora bem as cenas noturnas. A ambientação nostálgica funciona bem com os diálogos econômicos dos personagens e as pontuações musicais. Consegue criar um clima. E, apesar da trama ostensiva ser sobre malfeitores em busca de reciclagem, o tema profundo é mesmo o da velhice. Fosse qualquer outra a profissão de Amador e ele estaria tentando voltar à tona para demonstrar que ainda tem serventia, nem que fosse por um único e último trabalho, destinado a reafirmar a fama do passado. Nesse diapasão, Nelson Xavier constrói seu personagem com toda a dignidade. 

É pena que o roteiro, de tão depurado, acabe perdendo vivacidade. O laconismo dos personagens chega quase à afasia. E a subtrama metacinematográfica não funciona. Pela elegância do tom, e o charme discreto de Nelson Xavier, vê-se Comeback com prazer. 

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