'Cha Cha Real Smoth' mostra que homem pode - e deve - chorar

Aos 25 anos, Cooper Raiff escreveu, dirigiu e produziu o longa, e também atua como o protagonista, um jovem sensível e sincero com os sentimentos

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Por Mariane Morisawa
Atualização:

Em uma das cenas mais famosas da série Star Wars, Leia (Carrie Fisher) vira para Han Solo (Harrison Ford) quando ele está sendo levado preso por Boba Fett e finalmente se declara. “Eu te amo”, diz a princesa em O Império Contra-Ataca. A resposta de Solo ficou famosa: “Eu sei”. Na cabeça de Cooper Raiff, um jovem de 25 anos que é a nova sensação do cinema americano, esse diálogo jamais aconteceria. “Eu não consigo me identificar”, disse em entrevista ao Estadão o ator, diretor e roteirista, cujo Cha Cha Real Smooth – O Próximo Passo está disponível no Apple TV+. Sua resposta à fala de Leia seria um “eu te amo também, estou com tanto medo!” dito em meio a lágrimas. “Eu jamais escreveria aquela cena como Harrison Ford fez. Eu não sou Harrison Ford.”

Definitivamente não. Cha Cha Real Smooth ganhou as plateias do último Sundance Festival, do qual saiu com um prêmio do público e um polpudo cheque de US$ 15 milhões da aquisição pela Apple, justamente por não apostar em um modelo tradicional de masculinidade e ser sincero com os sentimentos. Andrew, o protagonista interpretado pelo próprio Cooper Raiff, é sensível, atento às outras pessoas e chora bastante. É importante retratar outros tipos de masculinidade? “Provavelmente, mas eu realmente não penso nisso”, disse Raiff. “Você escreve o que você sabe. E eu choro o tempo todo. É o que me parece autêntico.”

Cooper Raiff e Dakota Johnson, protagonistas em 'Cha Cha Real Smooth' Foto: Apple TV+

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Andrew tem 22 anos e, como muitos membros das gerações Z e millennial, está tendo dificuldades de encontrar seu lugar no mundo. Depois de se formar na universidade, a namorada foi para Barcelona, e ele voltou para sua cidade, dividindo o quarto com o irmão mais novo, David (Evan Assante), na casa de sua mãe (Leslie Mann) e o novo marido dela, Greg (Brad Garrett). Seu trabalho como atendente em uma lanchonete fast-food também não empolga. 

Em uma noite, ele precisa acompanhar David em um bar mitzvah. Andrew acaba conseguindo animar uma noite desanimada e chamar a atenção de Domino (Dakota Johnson), a bela mãe de Lola (Vanessa Burghardt), que é autista e sofre bullying. De uma só vez, vira um animador de festa oficial e babá de Lola, que trata com sensibilidade e sem paternalismo. Andrew se encanta por Domino, que, solitária, sentindo falta dos 20 anos que nunca teve por já ser mãe de Lola, acaba retribuindo de certa maneira, mesmo estando noiva de Joseph (Raúl Castillo).

Inspiração familiar

O filme foi inspirado pela relação da mãe de Cooper Raiff com a irmã dele, que é neurodivergente e não consegue andar ou falar. “Foi muito emocionante para mim”, contou o ator, diretor e roteirista. Mas ele deixou espaço para que os atores trouxessem suas contribuições. Raiff tinha um fiapo de roteiro quando Dakota Johnson entrou no projeto como atriz e produtora. “Cooper sempre esteve muito aberto em que eu o ajudasse com a personagem da Domino. Nós escrevemos juntos, conversamos muito, ele incluiu coisas que eu disse no roteiro”, disse Johnson em uma coletiva de imprensa virtual. 

A procura por Lola parou praticamente no minuto em que ele viu o vídeo mandado pela estreante Vanessa Burghardt, que é autista como sua personagem. “A parte mais emocionante para mim foi ver esse teste e a relação de Vanessa com sua mãe, que me destruiu”, disse Raiff. “Essa foi a parte mais especial de fazer o filme. Queria fazer um filme sobre esse sentimento intangível e profundo mesmo que de uma maneira superficial, porque isso pode emocionar de maneiras inimagináveis. Eu nunca vou ser capaz de reproduzir o que é, mas queria fazer um filme sobre isso.”

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Para Burghardt, o importante era que Lola parecesse uma pessoa que existe. “Ela é só uma pessoa, não queria que representasse algo ou demonstrasse algo. Queria que ela fosse ela”, disse. 

Estreia premiada

Cha Cha Real Smooth foi o segundo longa-metragem de Cooper Raiff lançado em menos de um ano. O anterior, O Calouro, sua estreia, ganhou o Grande Prêmio do Júri de melhor ficção no South by Southwest de março de 2020. Mas ser um cineasta não estava exatamente em seus planos. “Sempre amei filmes e queria participar deles, mas teria preferido estar nos projetos de outras pessoas, para ser honesto”, contou.

Como não conseguiu, fez uma versão de O Calouro de 50 minutos, sem dinheiro nenhum, que chamou a atenção do ator, produtor e diretor Jay Duplass. E assim começou a sua trajetória. Aos 25, ele prepara seu terceiro trabalho. 

Cooper Raiff chegou no momento certo, em que o cinismo no cinema dá sinais de cansaço pois não há como concorrer com a vida real. Seu olhar para os seres humanos é amoroso, reconhecendo que, no fundo, quase todo o mundo está apenas tentando fazer o seu melhor. E que tudo bem derrubar algumas lágrimas ou dizer “eu te amo” quando se tem vontade. 

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