Cédric Kahn tece ode à matriarca Deneuve em 'Feliz Aniversário'

Ator e diretor inspirou-se em sua família para fazer este belo filme

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Cédric Kahn faz um cinema muito (completamente?) diferente do de Samuel Fuller, mas, como o autor norte-americano acredita que cada filme encerra uma batalha. “É uma guerra que temos de vencer todo dia. Não existem teorias para ajudar. Você tem o desafio de vencer a batalha de gravar a cena do dia. E, ao contrário do teatro, tem de ganhar, porque essa cena não vai voltar nunca.” Essa sensação de urgência percorre Feliz Aniversário, o novo longa do ator, diretor e roteirista que estreou nesta quinta, 5, nos cinemas brasileiros. Kahn veio ao Brasil para mostrar seu filme na festa de 30 anos da Imovision.

Narra um dia na vida de uma família. A matriarca comemora seu aniversário e o que deveria ser uma festa, uma celebração, vira acerto de contas com a chegada da filha pródiga, que esteve anos afastada da família, sem dar notícia. Mamãe é Catherine Deneuve e Emmanuelle Bercot, a filha pródiga. O próprio Kahn faz um dos irmãos e Vincent Macaigne é o outro, um cineasta que realiza um documentário sobre o grupo, o que é outro motivo de briga. E tem a neta, a filha de Emmanuelle, que namora um garoto negro. Emmanuelle faz comentários racistas, o que aumenta a tensão. Kahn não faz segredo de que se inspirou em sua família. “São detestáveis, mas engraçados. E eu os amo”, diz.

Família.Deneuve dança com Kahn, que faz seu filho Foto: IMOVISION

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O repórter provoca – com todo respeito, diz que a mamãe real não é a superstar Deneuve, e nisso vai uma diferença e tanto. “Você deveria conhecer minha mãe, ficaria encantado com seu dinamismo e personalidade. Mas, sim, Catherine humaniza o filme e, ao mesmo tempo, é alguém que todos conhecemos há tanto tempo. Catherine é da família – de todos os cinéfilos.” Como no anterior A Prece, de 2018, sobre um garoto drogado, o cenário é personagem – a casa, que lá pelas tantas se torna objeto de disputa. “Sim, a casa é decisiva. Conforma o momento, é abrigo, casa de loucos, prisão. É carregada de lembranças. E em certas cenas a posição da câmera transforma aquilo num teatro. Um entra e sai em portas de todos os lados.”

Essa ideia de um teatro é particularmente forte quando os personagens estão à mesa. Evoca um conceito de Luis Buñuel em O Discreto Charme da Burguesia. Os personagens estão à mesa, abre-se uma cortina e o público aplaude, pois se trata de uma sala de espetáculos. A representação é inerente à burguesia. As pessoas são o que fingem ser. Kahn concorda. “Esse teatro da vida não está só em Buñuel, que era um crítico feroz da família e da burguesia. Esse ‘pequeno teatro’ também está em Jean Renoir. Cédric Kahn alimenta-se dos grandes, e ainda falta citar Yasujiro Ozu. O mestre japonês que gostava de contar histórias de família filmava do ângulo ligeiramente baixo de um espectador sentado no tatame. E filmava de longe, para captar a cena toda. “Ao filmar todos, não privilegio ninguém. Não é um filme de protagonistas. É um filme coral”, Kahn explica.

Mas cada um, e todos, têm sua grande cena. Isso não apenas reforça o realismo, como cria a sensação de que o filme está sendo improvisado. Errado. “Escrevo muito, reescrevo e faço leitura, discuto com os atores, para chegar a esse resultado. Talvez se troque alguma palavra, mas o que está na tela é o que escrevi. O realismo do cinema é falso”, filosofa. “Na realidade reconstituída está a sua destruição.”

Lá atrás, Deneuve já foi outra matriarca, em outra festa, e a família também brigava – Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin, de 2008, há mais de dez anos. Como é Catherine no set. Curiosamente, Kahn repete o que Juliette Binoche já disse ao Estado, e a Binoche foi sua companheira, na celebração do aniversário da Imovision no Reserva Cultural de Niterói, no Estado do Rio. “Catherine é alguém que impõe distância entre as pessoas e ela. E é natural, porque se trata de um mito. A distância já vem naturalmente da gente. No set, ela é divertida, solidária. Serve à personagem, não ao próprio mito. Humaniza-se. Foi um privilégio tê-la como minha mãe na tela.”

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