Parece até combinado, porque no mesmo dia em que começa a mostra dos montadores do CCBB, também tem início outra retrospectiva, em outro espaço da cidade - o Centro Cultural São Paulo - destinada a outro "ingrediente" dos filmes, o roteiro. E, como o do CCBB, o ciclo do CCSP é igualmente ambicioso, reunindo uma coleção de 34 longas-metragens para ilustrar sua tese. A mostra reúne filmes do porte de Crepúsculo dos Deuses, Scarface - A Vergonha de uma Nação, Quanto mais Quente Melhor, Cidadão Kane, O Leopardo, Punhos de Campeão, Gilda, Os Imperdoáveis, Ladrões de Bicicletas, A Bela da Tarde, Contos da Lua Vaga etc. Todos, sem nenhuma dúvida, filmes muito bem escritos. O que isso quer dizer? Que, antes de virar material audiovisual, eles foram pensados no papel por alguém dotado de talento literário e imaginação. Por isso, o release de imprensa cita uma frase de Alfred Hitchcock segundo o qual haveria três coisas essenciais para se fazer um bom filme: "Um bom roteiro, um bom roteiro e um bom roteiro." Verdade. Só até a página 5, porém. Como o próprio Hitchcock sabia muito bem, você pode ter um roteiro de sonho na mão. Se um incompetente o filmar, ele será reduzido a nada. Mais: há diretores que seguem um roteiro de ferro e não se afastam um milímetro dele durante a filmagem. Outros gostam de improvisar. Outros ainda optam por um roteiro muito bem detalhado, construído com toda a minúcia, apenas para poder desobedecê-lo durante a filmagem. Há quem diga assim: "É preciso muito planejamento para poder improvisar", e esse era o método de Glauber Rocha, por exemplo. Os roteiros de Terra em Transe e Deus e o Diabo na Terra do Sol eram catataus, imensos, muito articulados. Mas Glauber gostava de deixar a imaginação comandar quando estava no processo de filmagem. Essa posição do roteiro no produto final deu lugar a mais de uma polêmica no mundo do cinema. Para ficar apenas em uma, justamente a que envolve talvez o mais famoso filme de toda a história, Cidadão Kane. Hermann Mankiewicz escreveu a história, Orson Welles a filmou. Quem é o autor do filme eleito por quase todos os críticos como o melhor de todos os tempos? Welles ou Mankiewicz? Todo mundo vai responder que é Welles, sem a menor sombra de dúvida. No entanto, uma crítica importante como Pauline Kael defendia tese contrária e procurou mostrar - não sem fundamentação - que era o texto de Kane que fazia dele uma obra-prima, e Mankiewicz havia sido injustiçado pela história, ocupando posição secundária na elaboração de uma obra que já fez correr rios de tinta, abateu florestas de papel e agora ajuda a entupir os hard discs dos críticos nos quatro cantos do mundo. Ok, Kane é mesmo muito bem escrito. Mas o que seria desse texto sem os magníficos movimentos de câmera e a profundidade de campo do fotógrafo Gregg Toland? Ou sem a montagem de Robert Wise? Quem é o maior responsável por uma obra coletiva, como é o cinema? Difícil dizer, mas havia um maestro para comandar todos esses instrumentos afinados e ele atendia pelo nome de Orson Welles. É o autor. O Cinema dos Roteiristas. Hoje (14), 16h, Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder; 18h, Adaptação (2002), de Spike Jonze; 20h, palestra com Álvaro de Moya. Amanhã(15), 16h, Scarface - A Vergonha de uma Nação (1932), de Howard Hawks; 18h, Amor Sublime Amor (1961), de Jerome Robbins e Robert Wise; 20h45, O Morro dos Ventos Uivantes (1939), de William Wyler. Centro Cultural São Paulo/Sala Lima Barreto. R. Vergueiro 1.000, Paraíso, 3277-3611. De 14 a 26/2. Grátis (retirar ingressos 1h antes). Até 26/2. Abertura prevista para hoje