CCBB traz o novíssimo cinema de Portugal

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Por Agencia Estado
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Há momentos de intensa magia no cinema de Manoel de Oliveira. A encenação teatral que abre Vou para Casa deve ser o sonho de consumo de todo diretor de teatro que se preze. E, além da extraordinária interpretação de Michel Piccoli, o filme exibe ousadias de um velho rebelde que se lixa para as regras. Há uma longa seqüência, um diálogo importante, na qual ele filma só os pés de Piccoli, que usa os sapatos novos que comprou e serão roubados em seguida. Há outro momento raro que só pode ter saído da cabeça de Oliveira em Porto da Minha Infância, seu belo documentário que o Centro Cultural Banco do Brasil, o CCBB, exibe amanhã(11) na 2.ª Mostra de Cinema Português em São Paulo, também chamada de Novíssimo Cinema Português. O novíssimo cinema de Portugal inclui o mais velho cineasta do mundo em atividade. Oliveira, de 94 anos, é um fenômeno de potência criativa comparável a Pablo Picasso e Volpi. É insaciável em sua arte e humilha os jovens realizadores que disfarçam a submissão às normas no exibicionismo técnico. Porto da Minha Infância é uma obra de encomenda, feita para comemorar o fato de que o Porto, onde ele nasceu, foi a capital européia da cultura em 2001. A saudade, Oliveira não se cansa de dizer, é a matéria que alimenta seu cinema e a própria alma portuguesa. Numa cena, o jovem Oliveira, interpretado por seu neto, Jorge Trapo, vai ao teatro. Entra no palco, como ator, o próprio Oliveira, maquiado para fazer o papel de um homem com a metade de sua idade. Estabelece-se uma situação estranhíssima que coloca na tela o problema do tempo. O jovem Oliveira olha para o velho Oliveira no papel de um homem mais moço. E tudo isso filmado por Oliveira, ele mesmo, que transformou a obra de encomenda num projeto pessoal a ponto de falar, em off, com sua voz. Estão aí todas as idades do homem e num fascinante jogo de espelhos que permite ao cineasta discutir o cinema como um instrumento de vida e morte. De vida porque permite às coisas e pessoas continuarem existindo como imagens, mas justamente por serem imagens é que se trata de um veículo de morte. O que celebra é a negação das coisas e seres enquanto existência concreta. Carlos Adriano, o diretor dos experimentais Remanescência e A Voz e o Vazio - A Vez de Vassourinha, é curador da mostra com Bernardo Vorobow, seu parceiro de criação artística na Associação Babushka, que mantém um protocolo com o Instituto Camões para a realização de eventos de difusão da cultura portuguesa em São Paulo. Essa segunda mostra concentra o foco na novíssima safra do cinema de Portugal, exibindo só filmes de 2001 e 2002. A exceção é O Fio do Horizonte, de Fernando Lopes, de 1993, incluído porque forma um bloco de investigação sobre a história recente do país com O Delfim, do mesmo diretor, que é deste ano. A pérola da programação é o filme de Oliveira, que reserva uma surpresa. Se ele fosse Luchino Visconti, a escritora Agustina Bessa-Luís seria sua Suso Cecchi D´Amico. A "Suso" de Oliveira, sua roteirista, faz uma participação em Porto da Minha Infância. O diretor recupera fragmentos de sua juventude, homenageia amigos - numa cena, os quatro mosqueteiros vagam na noite do Porto. Um virou poeta, outro escultor (e matou-se porque sua arte foi considerada mera cópia da de Rodin). Só sobrou Oliveira para contar essa rica história geracional. Há mais sete filmes longos na programação (e nove curtas). Você não pode deixar de ver Camarate, de Luis Filipe Rocha. Todo país que sofreu uma ditadura tem seus esqueletos no armário. Portugal não foge à regra. Em 1980, um acidente de avião matou o então primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro e sua comitiva. Há controvérsia quanto ao fato de aquilo ter sido acidente ou sabotagem. O filme conta a história da tentativa de reabertura do processo. Ele vai parar nas mãos de uma juíza, interpretada por Maria João Luís. Pela armação da cena de abertura, o diretor deixa claro que acredita na sabotagem. Prova sua tese, mesmo que o letreiro final frustre a expectativa do público sobre a reabertura do caso. Rocha afirma a luta de uma heroína portuguesa que resiste o quanto pode às pressões e usa o poder de mobilização do cinema para criar um fato político. Espera que ele leve ao estabelecimento da verdade doa a quem doer. Esse é um raro filme em que o panfleto não inibe a criação de verdadeiros personagens. Maria João é uma atriz maravilhosa. Sua personagem sofre pressões políticas e profissionais, vive uma relação complexa com o pai, o amante e o ex-marido. Não verte uma lágrima, por maior que seja sua dor. Chora ao piano, por meio da música. Só pelo trabalho da atriz, Camarate já valeria a pena. Novíssimo Cinema Português, 2ª Mostra de Cinema Português - CCBB. Rua Álvares Penteado, 112, centro. Tel.: 3113-3651. De hoje até dia 22.

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