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"Casamento Arranjado": uma dura crônica familiar

Filme do israelense Dover Kosashvili conta a história de um "garoto" de 31 anos cujo romance com uma mulher divorciada é reprovado pela família. Estréia nesta sexta

Por Agencia Estado
Atualização:

Casamento Arranjado é o surpreendente filme do israelense Dover Kosashvili que entra amanhã em cartaz na cidade. Surpreendente, no caso, deve ser tomado no sentido literal, e não apenas como um elogio. O longa parece encaminhar-se para uma tradicional comédia de costumes quando muda de direção e revela-se uma eficiente, dura e incômoda análise do conservadorismo familiar. A história é a de Zaza, "garoto" de 31 anos que mora com pai e mãe. Estes estão preocupados porque o rapaz precisa se casar e garantir descendência ao clã. Escolhem as esposas certas para Zaza, mas os arranjos não progridem. E logo descobrem o motivo: está envolvido com uma divorciada mais velha do que ele e mãe de uma menina. Escândalo. A família não poupará esforços para desmanchar esse romance inadequado e recolocar o filho no bom caminho. O interesse do filme vem da maneira inquietante como Kosashvili (georgiano nascido em 1966 e agora radicado em Israel) estrutura a sua história. As figuras envolvidas são críveis, mas beiram o bizarro. O pai de Zaza, Yasha, é magrinho, disposto, teimoso. A mãe, Lily, obesa, é um poço de determinação. Não irá se deter diante de nenhum obstáculo para garantir que o filho volte ao que considera seu destino natural - casar-se com uma boa moça, mais nova que ele e de família conhecida. A frase que se ouve várias vezes é "nós aqui não fazemos assim; fazemos assado". Essa força da tradição atravessa toda a trama. Uma tradição diluída em costumes, em obrigações, em pequenas regras ou disposições. Uma delas diz que um homem não se casa, jamais, com uma mulher mais velha do que ele. Se ela ainda por cima for divorciada e tiver uma filha, nem pensar. Não há nenhuma concessão na maneira como essa rigorosa crônica de costumes é conduzida. A música quase não entra. Não há nenhuma "elegância", no sentido formal do termo, na maneira como as cenas são filmadas. Kosashvili trabalha num registro que se poderia chamar de naturalístico, uma minúcia descritiva que seria a exacerbação do realismo. Nada é embelezado. Fixação - Assim, por exemplo, para expressar a atração de Zaza por Judith, a divorciada sensual, ele filma uma longa, longuíssima seqüência do encontro sexual dos dois no apartamento dela. O encontro é detalhista, como verá o espectador. Filmado quase em tempo real, não esconde muita coisa e, no entanto, só com muita boa vontade poderia ser qualificado de erótico. Não estimula quem vê o filme, mas passa uma idéia dos motivos da fixação de Zaza pela mulher. Também longa, enorme, perturbadora, é uma seqüência oposta à anterior, quando a família de Zaza invade a casa de Judith e, com maus modos evidentes, faz de tudo para dissuadi-la de continuar com o filho. Nessas cenas, o que se coloca na tela é a violência com que uma tradição procura se afirmar como verdade incontestável. Tudo isso é muito específico, faz parte de uma cultura particular e, em tese, não generalizável. No entanto, a história é cozinhada em alguns elementos universais, como a ferocidade acrítica de um certo amor materno, a sociedade patriarcal e seu autoritarismo, mas, por paradoxo, a posição proeminente que ocupam as mulheres nesse tipo de "sistema". São elas que tomam à frente nas questões familiares e os homens seguem atrás. Observar o casal Yasha e Lily é entender como e por que dele saem filhos fracos como Zaza. Incapazes de desenhar um destino próprio, eles se deixam levar - e reproduzem, mesmo sem querer, o autoritarismo que lhes é dado como legado. Nesse sentido, o filme é bom demais. Como é boa a maneira como tudo nele é conduzido, tirando os pontos de apoio do espectador, surpreendendo-o, levando-o de uma comédia que não chega a revelar a sua graça a um desconforto progressivo. E portanto à reflexão. Casamento Arranjado (Hatouna Mehuheret). Drama. Direção de Dover Kosachvili. Israel/2001. Duração: 100 minutos. 18 anos.

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