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"Carandiru", em fase de pós-produção

São muitas as regras que Hector Babenco tem quebrado na realização do longa inspirado no best-seller de Drauzio Varella, entre elas, a gravação no Brasil do som ambiente de cada cena

Por Agencia Estado
Atualização:

Hector Babenco usou nove câmeras de vídeo para gravar a implosão do Carandiru. Promete uma surpresa para o público que for assistir ao filme que adaptou do livro de Drauzio Varella. Carandiru - O Filme tem estréia marcada para abril. Babenco trabalha freneticamente na pós-produção. Alterna dias em que está "histericamente eufórico" com outros em que se sente "histericamente deprimido". Mas, pela primeira vez em sua carreira, ele confessa que o trabalho de finalização de um filme não lhe tira o sono. Será o sinal de que Carandiru - O Filme está saindo nos trinques, bem como sonha o diretor e os leitores que transformaram o livro de Varella num best seller? Até hoje, Babenco e sua equipe trabalharam no Estúdio Mega, gravando o som das cenas de Carandiru. Não as falas, não a música, mas o som ambiente de cada cena, que contribui, com os demais elementos, não apenas para a criação do clima, mas também para a autenticidade do que bate na tela. "Eles têm sido grandes sócios do cinema brasileiro e do nosso filme, em particular", Babenco conta. Eles - o Estúdio Mega. "Toda essa parte de laboratório e estúdio para pós-produção sai muito cara e eles fazem por um preço mais em conta, o que significa que também estão investindo no filme", prossegue o diretor. E ele conclui com o que não deixa de ser uma novidade: seguradoras americanas aceitaram cobrir um filme que está sendo pós-produzido em estúdios brasileiros. Isso abre um precedente importante, Babenco diz, e confirma que o padrão - técnico e de segurança - do Estúdio Mega está de acordo com o que de mais avançado existe no mundo. São muitas as regras que Babenco está quebrando com Carandiru - O Filme. Pela primeira vez em sua carreira, tirando os filmes feitos para produtores estrangeiros - como Brincando nos Campos do Senhor, produzido por Saul Zaentz -, ele já tem um distribuidor internacional para a obra que ainda não terminou no Brasil. Será a Sony, no País a Columbia. Em geral, o filme já pode ter a distribuição nacional assegurada, mas as majors preferem esperar pelo resultado, o filme pronto, para avaliar suas possibilidades no mercado internacional. "Eles (a Sony e a Columbia) também têm sido parceiros muito legais." É uma palavra que Babenco usa muito e ele talvez nem se dê conta - legal. Argentino de nascimento, não perdeu o sotaque castelhano e diz ´legal´ de uma maneira que é só dele. O novo filme está saindo legal. Não é outra coisa que desejam os admiradores que esperam ver o diretor voltar à grande fase de filmes como Pixote - A Lei do Mais Fraco, que extrapolaram as telas (e as fronteiras) brasileiras para projetar internacionalmente o nome de Babenco. Ele conta para o repórter a surpresa que reserva para o público e que envolve a destruição do infame Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Foi lá que, em outubro de 1992, ocorreu o maior massacre de presos da história do Brasil. Começou como uma briga pelo poder entre duas quadrilhas do Pavilhão 9. A rebelião foi sufocada pela Polícia Militar, que entrou em confronto com os presos amotinados. O conflito durou meia hora, num ambiente escuro (a energia havia sido cortada), e a guerra não terminou por aí. Como a tensão continuasse no presídio, a tropa de choque voltou a entrar, à noite, no presídio. O saldo foi trágico: 111 presos mortos e outros 130 feridos - 35 em estado grave. Do lado da polícia, houve 32 feridos. Já se passou mais de uma década e o caso ainda repercute nas boas consciências do País. Não se trata simplesmente de defender os direitos humanos dos presos, que os adeptos da pura e simples repressão policial gostam de opor aos direitos humanos das vítimas, como se a lei do olho por olho fosse a solução para os problemas de violência do Brasil e do mundo. Em seu documentário, "Jogando Boliche com Columbine", Michael Moore cita dados muito interessantes, aliás, impressionantes: os americanos são o povo, no mundo, que mais anda armado e a pena de morte é lei em muitos (a maioria dos) Estados americanos. Nem por isso o país deixa de exibir coeficientes altíssimos de criminalidade - escandalosos em relação ao vizinho Canadá, onde não existe a fascinação pelas armas de fogo que caracteriza a cultura americana. Babenco sabe que está apontando para um grave e ainda irresolvido problema social brasileiro. Seu filme chegará às telas após o impacto provocado por outra adaptação - Cidade de Deus, que Fernando Meirelles realizou baseado no livro de Paulo Lins. Cidade de Deus fez mais de 3 milhões de espectadores (quase 3,2), o que representa um sucesso extraordinário para um filme de tema tão contundente e que tanta polêmica provocou entre a intelectualidade. Babenco vê o aquecimento do mercado por um filme como Cidade de Deus como muito positivo. Sabe que comparações serão feitas, mas está tranqüilo. A tal surpresa prometida pelo diretor, que você terá de esperar até abril para conferir, envolve som e imagem, pois cinema é isso mesmo - uma experiência audiovisual que grandes diretores, como Babenco, transformam em instrumento para a discussão de temas humanísticos e sociais. O cineasta já disse muitas vezes que seu filme não é sobre o massacre do Carandiru. O massacre estará lá, claro, mas Carandiru - O Filme é sobre outra coisa: sobre pessoas numa cadeia desumana, sobre códigos de honra e a palavra empenhada, que vale mais do que qualquer outra coisa nesta ante-sala do fim do mundo. O diretor não poupa elogios a seu elenco, de Luiz Carlos Vasconcelos, que faz o médico do presídio, o narrador (com Drauzio Varella) de todas as histórias, a Rodrigo Santoro, que investe contra a própria imagem de galã para fazer um travesti. Não se pode esquecer que foi justamente fazendo um travesti - em O Beijo da Mulher Aranha, de 1984 - que William Hurt ganhou o Oscar. Um Oscar para Rodrigo? Para Babenco? Ainda é cedo. Aguarde dia 11 (ou 18) de abril, nas telas. Até lá, é um bom sinal saber que Carandiru - O Filme anda tão bem que não tem tirado o sono de seu diretor.

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