"Caramuru" quer repetir sucesso de "Auto"

Adaptada da telinha para o cinema, novo filme de Guel Arraes estréia em 120 salas do País, sob a cobrança de repetir a boa bilheteria de O Auto da Compadecida

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Por Agencia Estado
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Guel Arraes tenta descontrair, mas sabe que, antecipadamente, há uma cobrança forte em relação a Caramuru - A Invenção do Brasil, que estréia nesta sexta-feira em 120 salas de todo o País. O tamanho desse lançamento já diz alguma coisa. A Columbia, que lançou O Auto da Compadecida, deve estar apostando numa repetição dos mais de 2 milhões de espectadores que o filme anterior teve. No quadro do cinema brasileiro atual, filmes que ultrapassam essa barreira são uma raridade. Nenhum filme pode ser avaliado, esteticamente, pelo número de espectadores que faz. Pode ser que Caramuru repita a performance. Melhor para Arraes, se o fizer. Pode ser que não e aí talvez essa fórmula de transpor para cinema versões reduzidas de microsséries para televisão ganhe as críticas ácidas que o sucesso do Auto, além da própria qualidade do produto, terminou inibindo. Para complicar, Caramuru chega aos cinemas de São Paulo com Lavoura Arcaica, que Luiz Fernando Carvalho adaptou do romance de Raduan Nassar. Goste-se ou não, são os diretores mais importantes da TV brasileira. Representam tendências diversas. Arraes é melhor na TV, mas essa é uma opinião sujeita à controvérsia, ainda mais agora que Lavoura Arcaica, que não é tudo isso que dizem seus admiradores, virou uma unanimidade. Os dois diretores também chegam ao cinema escudados pelo mesmo ator, Selton Melo. Tudo predispõe a crítica à comparação. Arraes ainda não viu Lavoura, mas reconhece que o objetivo de Carvalho era concretizar, no cinema, um tipo de experiência impossível na televisão. Já o dele é um híbrido de TV e cinema. A TV de Arraes tem muito de cinema. Seu cinema tem origem na TV, primeiro o Auto, Caramuru em seguida. E não adianta cobrar dele um projeto específico para cinema. Tudo o que pensa é sempre esse híbrido. Agora mesmo pensa numa versão de Lisbela e o Prisioneiro em filme, depois de haver trabalhado o tema em TV e teatro. Na origem do novo filme, está a minissérie A Invenção do Brasil, que Arraes escreveu em parceria com Jorge Furtado. A minissérie, exibida na televisão no quadro das comemorações dos 500 anos do Descobrimento, queria mapear o surgimento de uma nação. Para isso, Arraes e Furtado recorriam ao formato de falsos documentários, integrados à ficção. No filme, a maioria dos documentários ficou de fora e o foco da história ficou centrado em Caramuru, que dá nome à produção para cinema. Selton Melo faz o europeu confrontado com o índio brasileiro. Faz amor com duas índias, interpretadas pelas lindas Camila Pitanga e Deborah Secco. Reage mal quando elas, de acordo com os rituais de confraternização da tribo, resolvem ir para a cama com outro europeu - o francês criado por Luiz Melo. O filme é uma chanchada. Alguém dirá: uma pornochanchada, percorrendo de novo uma vertente dos anos 70, quando o cinema brasileiro usava as armas do humor e do sexo para dialogar com grandes platéias. Essa relação do branco com o índio, entre colonizados e colonizadores, rendeu um dos filmes mais famosos de Nelson Pereira dos Santos: Como Era Gostoso o Meu Francês. Caramuru não tem a mesma dimensão política, mas também não é alienado. A história do país à venda como um condomínio foi feita de olho no Brasil de hoje. O roteiro tem lances divertidos e inteligentes, mas incomoda a excessiva fragmentação da narrativa, com cenas que duram segundos na tela (ao contrário das de Lavoura, que duram horas). E o problema, já que a comparação é inevitável, é que O Auto era melhor. O próprio Arraes o define como seu filme "ecumênico". Recriar a obra de Ariano Suassuna na TV foi um ato de ambição e até de coragem. A aposta de Caramuru é menos audaciosa. Mas é injusto creditar somente oportunismo ao projeto. Arraes já pensou nele como TV e cinema. Escreveu-o, com Furtado, com a mente posta nos encadeamentos e cortes indispensáveis à redução. Ela foi, de qualquer maneira, mais trabalhosa. Arraes demorou uma semana para reeditar Caramuru para cinema. O Auto foi feito numa só tarde. Caramuru - A Invenção do Brasil. Comédia. Direção de Guel Arraes. Br/2000. Duração: 120 minutos. Livre.

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