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Cannes Lions nasce sob os aplausos de Federico Fellini

O Festival Internacional de Publicidade de Cannes nasce nos anos 50, na tentativa de proteger o cinema de um então novo meio de comunicação, a televisão

Por Agencia Estado
Atualização:

O Festival Internacional de Publicidade de Cannes nasceu do desejo de exibidores de cinema de ampliar a receita com publicidade, temendo, no início da década de 50, que um novo e então incipiente meio de comunicação, a televisão, pudesse comprometer o negócio da exibição de filmes. Em 1950, alguns exibidores começaram a se reunir informalmente para trocar experiências e impressões sobre a publicidade nos cinemas, que queriam fomentar. Naquela época, a maior fatia da publicidade no cinema era resultado da exibição de jornais cinematográficos, especialmente os de propaganda de governo - no Brasil, o Cinejornal Canal 100, de Primo Carbonari, ficou famoso. Foi durante a 2.ª Guerra Mundial, no entanto, que os cinejornais ganharam projeção e passaram a ser instrumento importante tanto para as forças aliadas como para o nazi-fascismo de Hitler e Mussolini. Em 1953, esses exibidores criaram a Sawa (Screen Advertising World Association), uma entidade sem fins lucrativos com a chancela de grandes exibidores, entre os quais o inglês Ernest Pearl, o francês Jean Mineur, o alemão Fritz Rotschild e o argentino Curt Lowe. Pearl, da distribuidora de comerciais em cinema Pearl & Dean, foi o primeiro presidente da entidade que no mesmo ano decidiu pela exibição dos filmes de publicidade no Palais de Cannes, após o festival de cinema. A mostra, sem caráter competitivo, fez grande sucesso. Diretores de cinema, como Federico Fellini, que temia a concorrência que a televisão viesse a fazer ao cinema, aplaudiram a iniciativa, assim como atores e atrizes. Em 1954, por sugestão do exibidor italiano Massimo Momigliano, da Sipra, uma empresa de comerciais de cinema associada à Sawa, o festival foi transferido para Veneza e passou a ser competitivo, com a premiação dos três melhores comerciais. O troféu passou a ser uma réplica do famoso leão alado de Veneza, símbolo da praça São Marcos e dos duques de Veneza. Para contemplar outros exibidores, especialmente os que se reuniam para participar do Festival de Cinema de Cannes, a Sawa decidiu então fazer a premiação de forma alternada, nos anos pares em Veneza e nos ímpares em Cannes, com o atrativo da Palme D?Or. De Mônaco para Cannes No final dos anos 50, o festival foi realizado, uma única vez, em Monte Carlo, para alegria dos príncipes Ranier e Grace, que sempre quiseram atrair para Mônaco festas com glamour como as do cinema e da publicidade. Em 1984, devido a greves nos serviços públicos italianos, o festival teve sua última edição nesta cidade, passando a ser realizado anualmente apenas em Cannes. Como homenagem a Veneza, foi mantido o leão com troféu e o festival ganhou o nome de Cannes Lions. Há três anos, quando completou 50, o Festival Internacional da Publicidade de Cannes exibiu um panorama de sua evolução e da propaganda. Da ingenuidade dos anos 50 e rebeldia dos anos 60 - com as calças jeans e o ronco das motos - ao pop dos anos 70, passando pela publicidade clean dos anos 80 e os efeitos especiais dos anos 90, a projeção chegou até a ousadia deste século. Os diretores que mais se destacaram, por terem ganho mais de um Grand Prix, receberam uma estatueta especial do famoso leão. Foram eles: Hugh Hudson, Lee Lacy, Joe Pytka, Ridley Scott e o falecido John Perkins. Pytka, hoje com longos e rebeldes cabelos brancos, não escondeu a emoção, há três anos, ao subir ao palco para buscar primeiro o troféu de diretor e depois o de produtor, ambos entregues também a Lee Lacy. O lado publicitário do cineasta Ridley Scott Ridley Scott, que de diretor de filmes publicitários também conquistou prestígio no cinema com filmes como Blade Runner e Gladiador, dirigiu em 1984 um lendário comercial da Apple. Mostrava um corredor por onde uma mulher vem correndo com um machado e destrói a tela onde o "Grande Irmão" do livro 1984, de George Orwell, comanda um mundo todo uniforme. Na explosão surge Apple, um mundo novo e colorido na computação. Um prenúncio do ambiente que usaria no filme Blade Runner. Mas foi o comercial italiano Il Circo, Grand Prix de 1954, para a pasta de dente Chlorodont, que trouxe de volta os velhos tempos e uma publicidade ingênua ao salão principal do Palais. Mais parecido com um curta-metragem, mostrava um apresentador vestido com a caixinha da pasta de dente apresentando as atrações do circo: cavalinhos feitos com as caixinhas do produto que têm como pernas as escovas de dentes, um elefante imenso, mágicos, palhaços, um encantador de serpentes e até um monstro em forma de cárie, que termina preso numa jaula feita com fios da pasta dental. Tudo ritmado pelas tradicionais músicas de circo, de bandinha. Os anunciantes mais premiados durante os 50 anos do festival foram GeneralMotors, Pepsi-Cola, Procter & Gamble, Nestlé, Volkswagen e Nike. Short List, um elemento de discórdia Toda a elegância que esse balneário transpira no final da primavera européia e início do verão, especialmente nas badaladas festas e bares da Croissette, uma espécie de Avenida Atlântica dos franceses, cai por terra quando são liberadas as listas com os candidatíssimos de cada categoria aos famosos leões. A chamada "short list" é sempre um ponto de discórdia, pois faz a alegria de uns poucos e a tristeza e o ressentimento de muitos. Aí, perfumes e roupas de grife passam a transpirar veneno nos salões. Tudo combinado com a alta da temperatura, com a chegada do verão no dia 21 de junho. Nesse momento, integrantes do júri são esculhambados sem nenhuma complacência. Nessa hora, também é comum uma velha acusação voltar a rondar Cannes: peças-fantasmas. Ou seja, aquelas que a agência criou, o cliente não aprovou, mas como a idéia era brilhante, foi parar no festival. Para evitar o constrangimento, agora a organização pede o documento de aprovação da campanha. Tanto pior que esse tipo de acusação costuma partir mais dos participantes brasileiros, embora ingleses, americanos e europeus recorram à prática. Nizan Guanaes já deu muita bronca nesse tipo de intriga, lembrando que isso só prejudica a imagem do Brasil, pois delegações de outros países fazem, em relação aos seus conterrâneos, uma tremenda vista grossa. De qualquer forma, os fantasmas dão vida à Croissette e animam as intermináveis noitadas no Suquet, o "Pelourinho" francês da Côte D?Azur, uma ruela abarrotada de bares. Festival abre cada vez mais espaço para novas mídias Outra acusação comum quando sai a lista se refere às peças publicitárias criadas especialmente para o festival. Aí, a história é mais simples, fica restrita à boca pequena porque não seria politicamente correto atacar campanhas institucionais feitas, em sua maioria, como trabalho voluntário das agências para Organizações Não-Governamentais (ONGs). Nessas peças, a criatividade aflora. Mas, sem dúvida nenhuma, o clima de tensão e glamourosa indelicadeza que cerca a divulgação de uma "short list" fica ainda mais visível quando se aproxima a hora H do anúncio do Grand Prix e, para muitos brasileiros, a agência de publicidade do ano, que é escolhida por meio da soma dos prêmios conseguidos nas categorias. Faz sentido. A DM9DDB levou o prêmio em 1998 e em 1999), a Almap/BBDO em 2000 e a F/Nazca em 2001. Com o passar dos anos e o crescimento da competição, o festival foi abrindo espaço para outras áreas da propaganda, como impressos (out-door e anúncio impresso), cyber (internet), direct (marketing direto), midia (mídia), rádio, e agora promoção. Maior competição da propaganda mundial, setor que movimenta US$ 300 bilhões por ano, irrigando meios de comunicação ao redor do mundo, o Festival Internacional de Publicidade de Cannes é representado no Brasil, desde 2000, pelo jornal O Estado de S. Paulo.

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