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Cannes fica sem fôlego com o desespero de ‘In the Fade’, com Diane Kruger

Mulher busca vingança ao perder filho e marido em atentado na Alemanha no filme de Fatih Akin

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL / CANNES - Há 20 anos a japonesa Naomi Kawase debutou aqui em Cannes e, desde essa época, todos os seus filmes têm passado na Croisette. Naomi é ‘da casa’. Eventualmente é exibida em alguma mostra paralela – Un Certain Regard. Na competição, é eterna candidata à Palma de Ouro – como o presidente do júri deste ano, o espanhol Pedro Almodóvar, que também nunca recebeu o prêmio maior. Naomi desencanta este ano, com Hikari/Vers la Lumière, Em Direção à Luz? Naomi confessa que é muito estressante ficar alimentando expectativa. Já o fez, e decepcionou-se. Acredita que está mais zen.

Os últimos filmes da competição passaram na sexta, 26. A primeira premiação, na quinta à noite, contemplou o Brasil. Embora o júri presidido por Kleber Mendonça Filho tenha atribuído o prêmio da Semana da Crítica ao documentário Makala, de Emmanuel Gros, Gabriel e a Montanha, de Fellipe Barbosa, foi duplamente recompensado com um prêmio de revelação e outro de ajuda (da Fundação Gan) para o lançamento. No domingo, 28, sai a Palma de Ouro. E, neste sábado, 27, os prêmios da crítica e das mostras Um Certo Olhar e Quinzena dos Realizadores. Enquanto o repórter escreve seu texto, ainda falta o último concorrente – You Were Never Really Here, da escocesa Lynne Ramsay.

Fatih Akin e Diane Kruger. Diretor mostra o preconceito contra imigrantes numa Europa que sofre com o terrorismo Foto: REUTERS/Jean-Paul Pelissier

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Pela manhã, o turco-alemão Fatih Akin mostrou In the Fade, com Diane Kruger. Uma mulher perde o marido curdo e o filho, mortos num atentado de (neo)nazistas. A justiça sendo impotente para punir os responsáveis, ela parte para a vingança. Mas não é uma justiceira. Nem o diretor quer nos convencer de que ‘olho por olho’ é a melhor solução. O filme é melhor para a atriz que para o diretor. Diane tem construído sua carreira fora da Alemanha. Transmite um sofrimento, acaso desespero, palpável. Quem leva amanhã à noite? Para o jornalista do Estado, a Palma justa teria de ir para o russo Andrey Zviagintsev, que há três anos já havia feito sensação em Cannes com Leviathan. Como o filme anterior, Faute d’Amor/Falta de Amor quer dar conta do estado do mundo – e da Rússia. Cenas de um casamento. O casal separa-se. Ela confessa que nunca amou o marido, que não queria o filho. O menino, no quarto ao lado, ouve. E chora. E desaparece.

Esse festival falou muito de crianças (Okja, de Bong Joon-ho; Wonderstruck, de Todd Haynes; A Morte do Cervo Sagrado, de Yorgos Lanthimos; Happy End, de Michael Haneke, etc.). Se a criança é mostrada como possibilidade de se encarar o futuro, o que a seleção de Cannes apresentou foi inquietante. Corrupção, violência contra a mulher e a criança – e os imigrantes. Face a esse estado alarmante das coisas, Naomi Kawase propõe uma discussão sobre a arte de ver no cinema. Uma jovem que trabalha com audiodescrição para deficientes visuais. Busca palavras para descrever um filme cultuado. De maneira um pouco mais ampla, o filme discute o próprio cinema, numa era em que as pessoas não estão mais ‘vendo’. A fruição do filme é cada vez mais rara. O público (jovem, principalmente) fica com um olho na tela e outro no celular. Pode-se entender o filme sem realmente ver? A fruição é algo muito mais íntimo e delicado. Engloba atenção aos detalhes, que muitas vezes passam despercebidos.

Outra mulher, Sofia Coppola, filma o desejo. Como um corpo de homem desestabiliza mulheres num pensionato, durante a Guerra Civil nos EUA. The Beguiled, Les Proies. As presas são essas mulheres ou o homem, que, no limite, cai numa armadilha? Sofia, Naomi, Lynne – não são muitas mulheres concorrentes. Os homens dominam (em número) e os irmãos Benny e Josh Safdie viraram os queridinhos da crítica com Bad Time. Um filme de gênero – um assalto fracassado dá margem a uma perseguição infernal. Para sua informação, é o único filme ao qual a prestigiada revista Cahiers du Cinéma atribui a cotação máxima (Palma), no quadro da crítica. Bad Time, com Robert Pattinson, seria uma Palma pop. Falta de Amor e Em Direção à Luz são mais densos, mas é o que Naomi Kawase diz – o que o público quer ver? Será esse cinema de inteligência, e sentimentos?

Assim como o Festival de 2000 abrigou uma discussão sobre as novas tecnologias, o de 2017 colocou em debate as plataformas. Concorrendo com dois filmes, Okja e The Meyerowitz Stories, de Noah Baumbach, a Netflix prescinde dos cinemas e não abre mão de sua programação via streaming. Fora da competição, Cannes abrigou as séries – Twin Peaks, de David Lynch, e Top of the Lake: China Girl, de Jane Campion, única mulher (em 70 anos!) a ganhar a Palma. O audiovisual está mudando. Talvez não o audiovisual, mas a relação do público com ele. É disso que a premiação terá de dar conta. Amanhã. Toda força ao presidente Almodóvar.