Cannes estende tapete para diversão e arte

O mais prestigioso festival de todo mundo começa hoje, tentando aproximar o cinema de autor e o de grande público. Carandiru é o representante brasileiro na disputa pela Palma de Ouro

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Por Agencia Estado
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Com a exibição fora de concurso de Fanfan La Tulipe, começa hoje a 56.ª edição do Festival de Cannes, o mais prestigioso de todo o vasto calendário cinematográfico mundial. O evento termina no dia 25, com o clássico Tempos Modernos, de Charles Chaplin, em versão digital. Há talvez algum simbolismo embutido na escolha desses filmes de abertura e fechamento. Fanfan La Tulipe é a nova versão de um conhecido exemplar do gênero capa-e-espada, dirigido por Christian-Jaque em 1952, com Gérard Philippe e Gina Lollobrigida no elenco. O remake que será visto em Cannes é assinado por Gérard Krawczyk e o par central é formado por Vincent Perez e Penélope Cruz, um evidente prejuízo a contabilizar em relação ao original. Um entretenimento de qualidade para começar e um puro espécime do cinema cômico e político de Chaplin para encerrar. Ambos de diálogo fácil e direto com o público. Segundo o diretor Gilles Jacob, uma das vocações do festival é abolir a divisão muito fácil (às vezes mecânica) entre cinema de autor e cinema de grande público. Então: como não se divertir com Fanfan la Tulipe? E, por outro lado, como não reconhecer a genialidade dessa obra-prima de Chaplin, a um tempo diversão para ninguém botar defeito, mas também a mais impiedosa crítica já feita à alienação do trabalhador no mundo capitalista? Visivelmente, Cannes, assim como seus congêneres de prestígio, Berlim e Veneza, tenta juntar essas duas pontas da arte cinematográfica - o apelo público e a busca da expressão pura. Com seus filmes de abertura e fechamento procura passar a imagem dessa problemática conciliação. Mas entre o início e a abertura do festival, muita água vai rolar. Aliás, muitos filmes. Cannes, a pequena cidade da Côte D´Azur, torna-se uma babilônia durante o festival. Nas telas e fora delas. Na Croisette, a avenida mais badalada da cidade, costumam desfilar estrelas de nacionalidades distintas e grandezas variáveis. Para delícia dos paparazzi devem passar por aqui nomes como Nicole Kidman, Lauren Bacall, James Caan, Charlotte Rampling, Isabelle Huppert, Tom Cruise, Ewan McGregor, etc., etc. e tal. Glamour, que dele também se alimenta o cinema. Filés - Não só, por sorte. Nas várias salas do Palais, durante os 12 dias de festival, serão projetados nada menos do que 56 longas-metragens, provenientes de 24 diferentes países. Destes, 20 longas ocupam o segmento filé mignon de Cannes, a mostra competitiva pela Palma de Ouro, o mais cobiçado troféu dos festivais de cinema do mundo (O Oscar é outro departamento e não pode ser somado na mesma coluna). Este ano, como já se sabe, o Brasil terá o privilégio de disputar a Palma. Estaremos lá com Carandiru, o drama penitenciário de Hector Babenco que já ultrapassa a casa dos 3 milhões de espectadores no Brasil e ameaça tornar-se o maior sucesso do cinema nacional recente - isto é, aquele pós-Fernando Collor e o desmanche cultural do setor. O Brasil compete também no segmento de curtas-metragens com o experimental A Janela Aberta, de Philippe Barcinski. Fora de concurso, o País leva outros dois trabalhos para Cannes: Filme de Amor, o mais recente de Julio Bressane, e Castanho, de Eduardo Valente, diretor que, ano passado, no mesmo festival, ganhou o prêmio da Cinefondation (destinado a trabalhos universitários) com seu Sol Alaranjado. Muita coisa vai rolar fora da competição principal. Mas, claro, todas as atenções estarão voltadas prioritariamente para ela. Ninguém pode avaliar as chances do competidor brasileiro a priori, mas sabe-se que ele terá paradas indigestas pela frente. Esses 20 finalistas foram depurados de uma lista de mais de 900 longas pleiteantes, vindos de todas as partes do mundo onde imagens em movimento se imprimam em celulóide. É de se presumir que tenham ficado os melhores, embora vez por outra se comente que Cannes privilegia os grandes nomes, medalhões que representam a tradição já estabelecida do cinema de arte mundial, em detrimento de novatos. E, de fato, algumas dessas figuras veneráveis estão lá com seus filmes, como Peter Greenaway, Alexandr Sokúrov, Clint Eastwood, Lars von Trier, entre outros. Aliás, o próprio Babenco já poderia ser contabilizado nessa galeria de notáveis. Ele chega a Cannes com a experiência de quem já competiu em vezes anteriores, com O Beijo da Mulher Aranha e Coração Iluminado. O Brasil tem chances? Tem. Sempre é bom lembrar que a única vez em que um filme brasileiro ganhou a Palma de Ouro em Cannes foi em 1962, com O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Naquele ano, Anselmo tinha oponentes do porte de O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, O Eclipse, de Michelangelo Antonioni, e O Processo de Joana D´Arc, de Robert Bresson. Quer maior prova de que em festivais, eleições e partidas de futebol há resultados mais prováveis do que outros, mas nunca garantidos de antemão? Será esse o segredo a ser revelado no dia 25 pelo júri presidido pelo francês Patrice Chéreau.

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