
26 de setembro de 2013 | 18h57
Nesta sexta-feira em que a Argentina escolhe a produção que vai concorrer com O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, a uma indicação para o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, um dos prováveis indicados torce para não ser escolhido. Juan José Campanella, o premiado diretor de O Segredo de Seus Olhos, tem seus motivos. Como presidente do Instituto de Cinema da Argentina, ele não quer que digam que exerceu a influência do cargo para ser selecionado. Mas, na verdade, sua meta é outra – ele espera concorrer em 2015, na categoria de animação, mas para isso Metegol precisa estrear antes nos EUA, o que vai ocorrer só em 2014.
O Rio veste-se de gala para assistir na sexta (27) à noite a Metegol. O filme será distribuído pela Universal – e no Brasil leva o título Um Time Show de Bola. Campanella ri quando o repórter lhe diz que ele tem uma história de amor com o festival carioca. Em 2009, o Rio foi uma das últimas paradas antes que O Segredo de Seus Olhos ganhasse a indicação para concorrer ao Oscar e, logo em seguida, o próprio prêmio da Academia. Campanella ri mais ainda de outra observação. Na tradicional rivalidade entre Brasil e Argentina, o País compensava no futebol (pentacampeão do mundo) os êxitos argentinos no Oscar (dois filmes vencedores – o outro, A História Oficial, de Luis Puenzo). Eis que agora Campanella desequilibra, e faz com Metegol o melhor de todos os filmes de futebol. E uma animação, ainda por cima.
Ele observa que, na sua cabeça, Metegol é tanto sobre futebol quanto Casablanca, de Michael Curtiz, é sobre a guerra. São dois casos aleatórios, mas tanto em Casablanca quanto em Metegol, a guerra e o futebol são fundos dramáticos para que os autores falem sobre outras coisas. O diretor conta que seu desejo de fazer uma animação é coisa antiga. Faz uma revelação até certo ponto surpreendente – ‘Você sabia que o primeiro filme de animação em todo o mundo foi feito na Argentina, em 1917?’ Desde então, e em diversas outras modalidades, a Argentina teve sempre grandes artistas gráficos, mas o cinema, pelo custo, as exigências de equipe, nunca mais teve suporte para bancar grandes produções.
A ideia de Metegol veio do produtor Gastón Gorali, que perseguiu Campanella com uma história curta, Memórias de Um Lateral Direito, do escritor Roberto Fontanarrosa. “Ele dizia que o conto dava filme e a história realmente me seduziu. É a narrativa das lembranças de um jogador de futebol, e só de uma forma muito sutil, en passant, a gente descobre que se trata de um jogador de brinquedo, de pebolim, como vocês dizem no Brasil.” Tocado pela história, Campanella fez seu o projeto do produtor. Logo depois do Oscar, ele já trabalhava em Metegol. Foram dois anos somente para formatar a história e o roteiro. A animação surgiu durante o processo.
“Pago tributo ao Soldadinho de Chumbo>, à Pixar e a Toy Story. Foram referências para que a gente começasse a pensar em Metegol como animação. Um garoto tímido vence no pebolim um concorrente agressivo que, na sequência, qual Fausto, encontra um Mefistófeles a quem vende a alma. Anos mais tarde, o derrotado, agora poderoso, volta à cidade e desafia o herói, que permaneceu estacionado, para uma partida de verdade. Há uma mulher entre os dois, e uma equipe, a dos jogadores de pebolim, que primeiro precisam se libertar das amarras que os prendem ao campo de brinquedo.
Por se tratar de um projeto caro – US$ 21 milhões –, Campanella teve aporte internacional, da Espanha. “Trouxemos profissionais de lá e também de países da América Latina.” Foram 51 animadores, entre eles um brasileiro, Michel Alencar, que deu uma contribuição excepcional. “Como toda animação, Metegol começou com papel e tinta. Michel foi o chefe da equipe encarregada de transferir o desenho do papel para o computador, com todas as ferramentas de que dispõe a nova tecnologia.” O 3-D surgiu como mais uma ferramenta. Campanella, que começa o filme citando o prólogo de 2001: Uma Odisseia no Espaço – no filme dele, os macacos usam um crâneo como bola e inventam o futebol –, reflete. “(Stanley) Kubrick foi sábio ao mostrar a revolta da máquina, o computador Hal-9000. A tecnologia é uma ferramenta que, às vezes, se volta contra a gente.”
E ele conta uma história engraçada – “Ninguém explica, mas o computador criou uma situação insólita. Os olhos de um personagem foram parar em seus testículos e não havia jeito de tirá-los dali.” Algumas coisas foram tecnicamente difíceis de realizar – o lixão, o estádio de futebol. “Tivemos consultores da Pixar que disseram que não conseguiríamos fazer o lixão.” No final, deu tudo certo e Metegol, em apenas 11 semanas de exibição na Argentina, já virou um fenômeno. Com 2,1 milhão de espectadores, é um dos cinco filmes argentinos mais vistos da história. O Segredo de Seus Olhos também integra a lista, com 2,8 milhões de espectadores, mas só chegou lá depois do Oscar (e de oito meses de exibição). O maior desafio – Metegol não tem exatamente o happy end que a plateia talvez espere. Está mais para a grandeza dos derrotados de John Ford. “Você entendeu a proposta, é o que tem a ver com meu cinema”, disse Campanella na entrevista por telefone, de Buenos Aires, pouco antes de embarcar para o Rio.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.