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Cães superam atores em "Neve para Cachorro"

No filme, Cuba Gooding Jr. se agita tanto para tentar ser engraçado, que ladrar acaba parecendo Ibsen

Por Agencia Estado
Atualização:

Neve para Cachorro é uma comédia sobre cachorros que parece ter sido dirigida por uma pulga. O filme foi razoavelmente bem nos Estados Unidos - embora seja sempre um mistério, para mim, imaginar que graça as crianças puderam encontrar na história de um dentista negro de Miami que descobre que é adotado, herda um grupo de cães no Alasca, conhece seu pai branco e resolve se iniciar nos mistérios excitantes da corrida de trenó. Crianças são sempre um mistério. Mas Neve para Cachorro transforma até adultos num grupo igualmente misterioso: o que pode ter levado, afinal, Cuba Gooding Jr., James Coburn, M. Emmett Walsh e Nichelle Nichols a aceitarem participar de uma fantasia tão bizarra, tão preguiçosa e tão interminável? É uma pergunta que deve envolver questões delicadas: pode ter sido algum tipo de chantagem. Uma promessa. Ou a ameaça sempre perversa do desemprego. Cuba Gooding Jr. passa o filme todo tentando competir com os cães, aparentemente com medo de que a atuação de qualquer cachorro possa parecer mais natural. É um medo justificado: os cães estão muito melhor que ele e se limitam basicamente a latir e puxar seu trenó, com entediada resignação. Já Cuba Gooding Jr. é incapaz de concluir qualquer frase sem uma careta, qualquer expressão sem um esgar e qualquer gesto sem um grito. Comparado à sua interpretação, todo cachorro é um exemplo de sobriedade e técnica. Latir soa como Ibsen. Desconfio que exista um método para o seu delírio: Cuba Gooding Jr. provavelmente imagine que sua agitação tenha graça - mas se qualquer agitação pudesse ser engraçada por si só, muita gente deveria gargalhar vendo coqueteleiras. Além de tudo, acreditar que só por se tratar de um filme para crianças todos podem abusar do dúbio privilégio de se comportarem como uma caricatura é uma convicção um pouco apressada: a única piada suportável do filme é uma fala de Nichelle Nichols (a Comandante Uhura de Jornada nas Estrelas) dita num tom que não abre nenhuma concessão para idades mentais mais tenras. É um caso isolado mas didático: como atriz, Nichelle Nichols soube pelo menos resguardar um grau mínimo de eficiência para não cometer o erro fácil de transformar seu sarcasmo em pastelão. Cuba Gooding Jr. mergulha no pastelão como uma marmota num pântano. James Coburn interpreta seu papel como se estivesse dando um golpe - e eu tenho a impressão de que há muito tempo M. Emmett Walsh não tem a menor idéia de que filme está fazendo. Não que ele se importe. O diretor Brian Levant é o mesmo de Beethoven - outra comédia em que a personagem principal era um cão e o humor mais ladrava que mordia. Brian Levant deve estar se especializando num tipo muito específico de cinema: o que parece ter sido produzido em troca de um pedaço de osso. É difícil pensar que ele seja capaz de dirigir bípedes. Depois de tudo, não me lembro de muitos filmes toleráveis que tenham sido escritos por mais de, no máximo, dois roteiristas. Neve para Cachorro foi escrito por cinco. Talvez num canil. Não existe desculpa possível: Neve para Cachorro é um filme que só pode agradar quem tem reflexos condicionados.

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