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Brasília aplaude "Celeste & Estrela"

Comédia de Betse de Paula, estrelada pela "musa do baixo orçamento" Dira Paes, abriu o festival e agradou ao público, que a aplaudiu duas vezes durante a projeção

Por Agencia Estado
Atualização:

Risos e aplausos marcaram a noite de abertura do 35.º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Essa bem-comportada cerimônia ocorreu terça-feira, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Cláudio Santoro, lotada em seus 1.300 lugares. Havia gente sentada pelo chão, o que deve levar o público a cerca de 1.500 pessoas. Houve apresentação de dois números musicais pela orquestra do teatro e depois rolou o filme de abertura Celeste & Estrela, da diretora Betse de Paula, carioca, mas radicada há nove anos em Brasília. O filme agradou ao público, que aplaudiu duas vezes durante a projeção. Talvez tenha influído o fato de ser uma comédia bem doméstica, com locações em alguns dos pontos conhecidos da capital federal, atores locais e que vivem na mídia, etc. Enfim, uma solução doméstica, simpática para uma abertura de evento. Em geral, políticos se aproveitam dos festivais de cinema para efeitos de autopromoção. Não foi o que aconteceu em Brasília, por motivos muito compreensíveis, pois a cidade se dividiu na última eleição, quando o candidato petista, Geraldo Magela, perdeu por pouco para o governador Joaquim Roriz, reeleito. Roriz é forte em algumas cidades-satélites, mas encontra oposição nos moradores do plano-piloto e, em especial, junto aos formadores de opinião da cidade. De modo que o governo do Distrito Federal nem sequer foi citado pelos apresentadores e nenhuma autoridade da área subiu ao palco para aproveitar alguns segundos de fama. "Seria vaia na certa", comentou um jornalista local, que conhece muito bem os bastidores políticos da cidade. Assim, pacificada pela ausência de autoridades oficiais, a cerimônia pôde prosseguir em calma. E nela brilhou a atriz Dira Paes, protagonista de Celeste & Estrela, que foi chamada ao palco com o título de "musa do baixo orçamento" pela própria diretora Betse de Paula. Aliás, numa noite cinematográfica, Betse trajava um vestido da Forum, estampado com o cartaz de Deus e o Diabo na Terra do Sol, o clássico de Glauber Rocha. O epíteto inventado para Dira faz sentido. Além de protagonizar o econômico Celeste & Estrela, ela está em mais dois filmes de orçamento modesto que participam da mostra competitiva este ano: Amarelo Manga, de Cláudio Assis, e Lua Cambará - Nas Escadarias do Palácio, de Rosemberg Cariry. Como baixo orçamento (B.O., no jargão dos cineastas) não é sinônimo de deselegância, Dira subiu ao palco do Teatro Nacional vestida para matar, com um pretinho básico realçado por um xale vermelho. Ela é a alma (e o corpo) dessa comédia metacinematográfica, que tem lá seus momentos. Dira interpreta a cineasta emergente Celeste do Espírito Santo, que faz um curta-metragem, ganha vários prêmios no Festival de Brasília e, animada, parte para seu primeiro longa. Estrela (Fábio Nassar) é funcionário do Ministério da Cultura, um dos membros da comissão julgadora que vetou o megalomaníaco projeto de longa-metragem da estreante. Como todos os novatos, Celeste quer fazer um filme para mudar as pessoas, o mundo e o próprio cinema, como dizia o diretor Cacá Diegues a respeito das ambições do Cinema Novo. Seu projeto, chamado Amores Impossíveis, prevê 15 episódios entrelaçados, que dariam conta dos 500 anos de história brasileira, do descobrimento aos tempos atuais, passando pela época da escravidão e não esquecendo de um hipotético futuro, quando os sobreviventes da civilização destroçada pela guerra passariam a adorar um guru - que é a cara do Paulo Coelho. Boas sacadas, como esta, dão cor ao filme. O ator uruguaio, radicado em Brasília, Hugo Rodas, interpreta outro guru - este dos cineastas - um mago dos roteiros, caricatura do francês Jean-Claude Carrière, parceiro de Buñuel e que andou dando cursos por aqui. Outro desses especialistas é uma paródia de Syd Field, autor de manuais que servem como verdadeiras bíblias da auto-ajuda cinematográfica para diretores estreantes. A sacada inteligente é montar a história do filme como se fosse um roteiro prescrito por Syd Field, com seus pontos de inflexão em momentos-chave da narrativa. A idéia é trabalhar com uma pergunta do tipo: será que a vida pode ser lida como um roteiro de Hollywood? Bem, se você tem vocação para finais felizes, a resposta pode ser até um sim. E este é o caminho escolhido por Celeste & Estrela, filme crítico mas de alto-astral. Outros bons momentos da comédia são garantidos pela inteligência dos diálogos, assinados por José Roberto Torero. Como tudo gira em torno do cinema, quando Celeste quer se queixar do ritmo de Estrela, acusa-o de ser "lento como filme iraniano". Ele diz que "cinema é cachoeira", e ela complementa: "Videoarte é cascata." A piada funciona para quem sabe que a definição de cinema como cachoeira é atribuída a Humberto Mauro, pai do moderno cinema brasileiro. Já a resposta da moça é auto-explicativa. Mas, enfim, o filme tira sua graça exatamente desse conjunto de referências internas. Pode ser também seu ponto fraco junto ao público, já que trabalha com elenco de inside jokes que só faz sentido mesmo para quem tenha alguma familiaridade com os bastidores do cinema brasileiro, seus problemas de captação no mercado de ações, as imposições dos diretores de marketing das empresas investidoras, etc. Falar nisso, uma das melhores cenas é aquela em que um merchandising de trator é enfiado numa seqüencia do Brasil colônia. Acontece isso mesmo: um filme recente, ambientado no fim do século 19, é enfeitado por um vistoso e extemporâneo merchandising de uma marca de sapatos da moda. Celeste & Estrela é uma divertida gozação em cima das leis de incentivo e da saída econômica encontrada para a retomada do cinema brasileiro. Como se sabe, o processo acabou se deteriorando e entrou em virtual colapso. É engraçado, mas a piada corre o risco de só ser entendida por quem é do ramo. O repórter viajou a convite da organização do festival

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