Brasil já tem tecnologia para o cinema digital

País onde o atraso humanístico e social coincide com a tecnologia de ponta, é hoje o mais importante empreendedor em salas digitais de cinema do Hemisfério Sul

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Por Agencia Estado
Atualização:

Em Cannes, em maio, o júri presidido por David Lynch deu a Palma de Ouro ao filme mais clássico, nos limites do acadêmico, da competição. Havia vários concorrentes que empregavam as novas tecnologias, leia-se o digital, mas Lynch e seus jurados, que incluíam Walter Salles e Sharon Stone, optaram pelo Roman Polanski de O Pianista. Esse último disse na coletiva, após a exibição do filme, que prefere a película ao digital. Repetiu o que o próprio Lynch já dissera na abertura do evento. Cinema, para ele, é película. Lynch e Polanski estarão dando as costas ao futuro? Pois o futuro, você sabe, os arautos dos novos tempos não se cansam de repetir, é digital. Que as coisas estão mudando é evidente. Até onde vão mudar é a questão. O Brasil, país das contradições, no qual o atraso humanístico e social coincide com a tecnologia de ponta, é hoje o mais importante empreendedor em salas digitais de cinema do Hemisfério Sul. Quem afirma isso é Patrick Von Sychowski, que organiza o painel sobre cinema digital que ocorrerá em Amsterdã, em setembro, no quadro da International Broadcasting Convention, que vai discutir os avanços tecnológicos. Von Sychowski considera as salas brasileiras um modelo para todo o mundo. São montadas com tecnologia da Teleimage, empresa detentora do exclusivo sistema de projeção digital no País. O presidente da Teleimage, Patrick Siaretta, será uma das presenças destacadas do evento na Holanda. Você pode ter uma amostra das mudanças assistindo a Star Wars Episódio 2 - O Ataque dos Clones no Shopping Jardim Sul, onde se localiza a sala da UCI equipada com a tecnologia digital da Teleimage. É bom ver também o filme de George Lucas em qualquer outra das salas que apresentam O Ataque dos Clones no sistema tradicional de exibição. Dá para ter uma idéia precisa do que vem por aí, já que Siaretta não tem dúvidas em afirmar: "A captação das imagens poderá ser feita ainda um bom tempo, tanto em digital como em película, mas a exibição será digitalizada, com certeza." Ele compreende a opção de Lynch e Polanski. "Filmes como Estrada Perdida e Cidade dos Sonhos prescindem de efeitos especiais e, portanto, não têm por que ser feitos em digital. Esse se torna uma ferramenta fundamental quando os efeitos são necessários ao desenvolvimento da história." O próprio Lucas esteve em Cannes, mostrando O Ataque dos Clones numa projeção digital. O filme foi realizado com uma câmera Panavision de alta-definição, ideal para produções com muitos efeitos. Justamente, os efeitos. Siaretta faz a divisão entre as câmeras HD, de alta-definição, e as DVs, que as pessoas usam para baratear a produção. Há uma diferença enorme entre elas. A diferença é maior ainda na projeção. O filme feito em HD fica incomparavelmente melhor na projeção digital. Siaretta usa todo um arsenal de definições tecnológicas para explicar, cientificamente, o que qualquer espectador constata na prática. Boa parte das inovações tecnológicas que estão mudando a face do cinema nasceram da cabeça de Lucas, um visionário que queria contar a história de Star Wars. Ele encontrou todo tipo de resistência ao fazer, em 1977, o primeiro filme, na verdade o quarto, quando a série toda estiver concluída. Não havia tecnologia. Foi preciso criar uma empresa, a Light & Magic para tornar viável aquela fantasia toda. Lucas se colocou cada vez maiores desafios e a Light & Magic, fortalecida, passou a espalhar seus efeitos especiais por todo o cinema americano de ação. As histórias, as tramas, os personagens viraram secundários. Os filmes tornaram-se videogames, com ênfase nos efeitos. Lucas é o homem por trás dessa tendência. Também foi o homem que associou o produto filme a uma vasta teia de consumo, que inclui todo tipo de quinquilharia associada a Guerra nas Estrelas. O filme deixa de ser um objeto de fruição, de reflexão para virar uma máquina de fazer dinheiro. Você olha para Lucas e não vê o homem que matou uma concepção mais clássica de cinema de personagem, de mise-en-scène. Olha para ele e vê só a honestidade de um homem (um artista?) que teve de fazer tudo isso para contar a história que o apaixonava. Você já ouviu esse papo de que o futuro é digital, que as novas tecnologias vão baratear os custos e democratizar a produção. Todo mundo vai poder fazer sua produtora de fundo de quintal, ´gravar´ seus filmes. Não é bem assim, adverte Siaretta mas o problema não é a fase da captação da imagem e sim, o após. Para exibição no circuito atual, o filme tem de ser kinescopado, como se dizia. Hoje a palavra é ´transfer´: tem de ser transferido para película. Chegará o dia em que a projeção também será digital. É um investimento caro. Nos EUA, segundo Lucas, os exibidores não querem fazer esse investimento. Existem poucas salas desse tipo. No Brasil, existem menos ainda, mas a Teleimage domina a tecnologia e já é considerada uma das melhores do setor, em todo o mundo.

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