Brasil Documenta põe o foco na produção latina

Evento promovido pelo canal GNT contou com a presença do cineasta brasileiro João Jardim e do mexicano Carlos Bolado, entrevistados por Amir Labaki

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

No ano passado, na abertura do Brasil Documenta, João Moreira Salles entrevistou Eduardo Coutinho. São os dois maiores documentaristas do País, mas o encontro de ambos foi uma master class, na qual João, o pupilo, curtiu tanto quanto a platéia os ensinamentos do mestre Coutinho. Este ano, havia outro João, o Jardim, na abertura do 2.º Documenta - Fórum Internacional de Documentários. O evento promovido pelo canal GNT, com patrocínio da Brasil Telecom, reuniu, na abertura, no auditório da Pontifícia Universidade Católica (PUC), no Rio, João Jardim e Carlos Bolado, entrevistados por Amir Labaki, diretor do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários de São Paulo. Criado pelo Canal GNT - o maior parceiro dos documentaristas na TV brasileira - com o objetivo de diminuir o gap entre os autores que trabalham com não-ficção no País e seus colegas estrangeiros, o 2.º Brasil Documenta abriu-se para a produção latino-americana do formato. Daí o encontro de João Jardim e Carlos Bolado, cada um identificado pela bandeira do seu país, o Brasil e o México. Discutiu-se muita coisa, especialmente as carreiras de um e outro. Discutiu-se um pouco menos o que deveria ter sido a tônica do encontro - o que é, afinal de contas, o documentário e por que a representação não ficcional da realidade atrai tantos diretores e o próprio público, na atualidade? Esse tema surgiu bem no finalzinho do encontro, que durou uma hora, rigorosamente. Alguém da platéia levantou a questão sobre os reality shows, que hoje fazem tanto sucesso na TV (brasileira, latino-americana e mundial): queria saber se aquilo, afinal de contas, é documentário? João Jardim, co-diretor (com Walter Carvalho) do documentário talvez de maior sucesso de público no País - Janela da Alma ultrapassou 100 mil espectadores, muito mais do que os 20 mil que Eduardo Coutinho fez com Santo Forte e os 17 mil que alcançou com Babilônia 2000 - é radical, no que se refere à representação da realidade. "No momento em que ligo a câmera cessa a realidade e começa a minha interferência." Ele não acredita que nenhuma pessoa consiga ser o que é, com a câmera ligada. E, por isso mesmo, descarta logo a idéia de que os reality shows possam ser documentários sobre aquelas pessoas que, voluntariamente - ou em busca de fama e dinheiro -, aceitam participar desses verdadeiros hui clos televisivos. Big Brother - "Não dá para acreditar que aquelas pessoas estejam sendo sinceras", disse. "Criam personas que estimulam a projeção e identificação do público e terminam representando esses papéis", diz o diretor. Os reality shows - Big Brother Brasil, Casa dos Artistas - ocupam boa parte da pauta do 2.º Brasil Documenta. Chegam a merecer painel especial, na série de dez que compõem o fórum, propriamente dito. Os outros três modulos do Brasil Documenta são formados pela mostra de filmes, o workshop de roteiros e o workshop digital. Miriam Schnaiderman, a diretora de Artesãos da Morte e do inédito De Arma na Mão, foi selecionada para a oficina de roteiros. Ganhou uma orientadora francesa e está feliz da vida com o que já foi discutido sobre seu trabalho na segunda à tarde. Houve mais de cem inscritos para o workshop digital. Foram selecionados sete novos diretores, que vão realizar - em digital, claro - filmetes de quatro minutos baseados nos sete pecados capitais. Há 40 anos, é bom lembrar, a fina flor da nouvelle vague foi cooptada para participar de um projeto coletivo. Tratava-se justamente de criar episódios ilustrando os sete pecados capitais. Jean-Luc Godard fez o melhor de todos: A Preguiça, interpretado por Eddie Constantine - o agente Lémmy Caution de Alphaville -, era uma pequena obra-prima de humor e provocação. O "pequena" fica por conta da duração, porque, de resto, o filme, embora curto, era admirável. Coincidências - Labaki, na abertura dos trabalhos, assinalou algumas curiosas coincidências. João Jardim e Carlos Bolado pertencem à mesma classe - 1964 - e estrearam na direção de longas documentários em dupla (o primeiro) e até em trio (o segundo). E foram fazer seus filmes longe de casa: Janela da Alma tem depoimentos de brasileiros sobre o olhar, mas os mais fortes talvez sejam os dos estrangeiros que Jardim e Walter Carvalho conseguiram cooptar para o projeto. Bolado, esse sim, foi longe. Seu documentário procura enquadrar o conflito no Oriente Médio a partir do olhar de crianças - israelenses e palestinas. O que pensam elas da guerra? É fácil trabalhar em dupla ou em trio? No caso de Janela da Alma, sim, porque "Walter, além de ser um grande fotógrafo, foi cúmplice, embarcando comigo nessa aventura", disse João Jardim. Ele chegou a comparar a associação dos dois a um casamento "sem consumação". Percebeu que Carvalho era o homem certo quando, hospedado na casa do grande diretor de fotografia, acompanhou-o num banho de mar. "Ele entrou na água de óculos, é ainda mais míope do que eu", lembra, rindo. Bolado não teve essa sorte. Montador de filmes como Amores Brutos, de Alejandro González Iñarritu, ele conta que a rodagem de Promessas de um Novo Mundo foi caótica pela falta de integração entre os três diretores - Justine Shapiro, B.Z. Goldberg e ele: "Estávamos de acordo no conceito, mas éramos três a dirigir e cada um puxava o fotógrafo para o seu lado, para dar as orientações em que acreditava." Todo esse caos teve seus reflexos na montagem, que exigiu muito trabalho para colocar ordem naquela confusão toda. Bolado não faz muita diferença entre documentário e ficção. Gosta de trabalhar com ambos. Acredita que seja possível contar boas histórias de ambos os jeitos. Cinema, para ele, é isso - uma história que tem de motivar, ao mesmo tempo, o diretor e o espectador. Tem uma idéia, atualmente, de um filme que pretende realizar em parte no Brasil. É uma história de amor. Mexicano conhece brasileira, apaixona-se, e a trama assume o formato de um road-movie para que o autor conheça (e discuta) a realidade desse continente que Glauber Rocha, nos anos 1960, definiu como "a terra em transe".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.