"Botín de Guerra" mostra país em transe

Documentário argentino de David Blausntein traz depoimentos das avós da Plaza de Mayo, as "loucas" que desafiaram a ditadura e apontam a entrega do país ao capital estrangeiro

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Por Agencia Estado
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Em 1990, em nome de uma suposta pacificação da sociedade argentina, o então presidente Carlos Menem assinou uma lei indultando militares acusados de violações de direitos humanos na época da ditadura. Se o objetivo era mesmo pacificar o país, não deu certo: a Argentina ainda abre os armários para expor os esqueletos acumulados nos anos de chumbo. Você se lembra, por certo, das imagens terríveis de Garagem Olimpo que mostravam os guerrilheiros, de olhos vendados e mãos e pés amarrados, num vôo para a morte, sendo lançados ao mar de aviões militares. Talvez não exista nenhuma imagem tão forte no filme Botín de Guerra, de David Blaustein, que estréia nesta sexta-feira, mas os depoimentos são poderosos. Nunca se deve subestimar a força da palavra num documentário à base de entrevistas. Eduardo Coutinho, o maior documentarista (o maior cineasta) do País, sabe disso e sabe, como poucos, estabelecer um clima de cumplicidade que faz com que os entrevistados de seus filmes digam coisas que tocam o coração, sobre sua vida íntima e as relações sociais. Vem aí o maravilhoso Edifício Master, você vai ver. Coutinho detesta os efeitos. Quando seu filme passou em Gramado, colegas bem intencionados perguntaram ao cineasta por que não havia terminado o filme com a cena do cara cantando como Frank Sinatra? Seria muito óbvio, muito para cima, Coutinho respondeu. Blaustein, infelizmente, não é ele. Não resiste ao efeito de terminar seu filme com uma música ´para cima´. Também não resiste a outra facilidade: na tentativa de ilustrar o que está sendo dito pelos entrevistados, o diretor usa cenas aleatórias como se fossem realmente aquilo que se fala na tela. Mas o filme é forte. O cinema argentino já havia falado, em chave de ficção, de uma das faces mais odiosas da ditadura: a apropriação dos filhos de desaparecidos políticos. Era o tema de A História Oficial, de Luis Puenzo, que ganhou o Oscar, lembram-se? O tema se faz agora presente em todos os depoimentos das avós da Plaza de Mayo, as ´loucas´ que desafiaram a ditadura e agora apontam o dedo acusador contra os militares que, segundo elas, cumpriram seu papel - a entrega da Argentina ao capital estrangeiro, consolidada pela política ´pacificadora´ de Menem. Você não precisa concordar 100% com esse filme. Mas já será suficiente se, a partir dele, o público quiser pensar em duas ou três coisas que permanecem irresolvidas nesse continente em transe. Serviço - Botín de Guerra (Botín de Guerra) - Documentário. Dir. David Blaustein. Arg-Esp/99. Dur. 118 min. 14 anos

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