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Blier filma os limites entre ser e parecer

Em Os Atores, que estréia nesta sexta-feira, o diretor francês discute o jogo entre realidade e ficção a partir das angústias e alegrias de atores

Por Agencia Estado
Atualização:

No começo do filme, três atores famosos conversam em um bar. Um deles (Jean-Pierre Marielle) se queixa aos outros dois (Jacques Villeret e André Dussollier) que o garçom não lhe trouxe uma jarra de água quente. Fala com a veemência de quem está diante de uma questão transcendental e esse tom, levemente surrealista, entre o sonho e a realidade, domina este Os Atores, de Bertrand Blier. Na verdade, Blier está mesmo tratando de um problema dos mais agudos - o que é, para um ator, a falta de visibilidade? Se o garçom não o vê, se a platéia o ignora, o que será dele? Pouco há de racional ou de esquemático no que se segue a essa pequena cena de início. Outros atores conhecidos, como Gérard Depardieu, Alain Delon, Maria Schneider e Michel Piccoli entram em cena. Falam entre si e discutem suas angústias e alegrias. Um filme de atores, mas não dirigido exclusivamente a eles. Afinal, todos nós, espectadores, sem refletirmos muito sobre a coisa, dependemos vitalmente dos atores. Sem eles, não teríamos jamais "ouvido" a voz de Hamlet ou Lear. Sem John Wayne, o que seria da mitologia do Oeste proposta por Ford? E alguém aí consegue imaginar a Dora de Central do Brasil sem a grande Fernanda Montenegro? Ou, para ficar nos atores convidados: seria preciso um certo contorcionismo mental para imaginar O Desprezo, de Jean-Luc Godard, sem Michel Piccoli, Acossado, também de Godard, sem Jean-Paul Belmondo, A Mulher do Lado, de François Truffaut, sem Gérard Depardieu, e Rocco e seus Irmãos, de Luchino Visconti, sem Alain Delon. Difícil, não é? Bem, acontece que atores emprestam voz e corpo a criações imaginárias e as tornam tão ou mais reais do que as pessoas de verdade, que encontramos na rua. É uma profissão sacrificial, e todo ator, no fundo, sabe disso. O que faz Blier é nos lembrar dessa obviedade. Mas o faz de maneira pouco usual. Fosse ele um cineasta convencional e teríamos aí talvez um documentário sobre a profissão, com depoimentos, temores, alegrias, etc. Profissão antiga - No caso, a aposta é outra. Blier faz com que seus atores "representem" o papel de ator, a forma melhor para que falem de si mesmos. Para que falem dessa profissão antiga e estranha que consiste em interpretar personalidades distintas da sua própria. Em certa medida, e mudando o que deve ser mudado, o filme parece uma ilustração daquela frase de Pessoa sobre o poeta fingidor, que sofre de verdade a dor que finge sentir. Esse fascinante jogo de espelhos encanta o espectador. Mesmo quando o que se passa na tela pareça tão trivial quanto o diálogo com o garçom malcriado ou o diagnóstico de um médico franco em demasia. O que está em jogo em cada uma dessas cenas não é bem o que aparece na superfície. Blier faz com que seus atores discutam, no fundo, os limites entre a realidade e a ficção, entre a arte de representar e a arte de viver. Para concluir (mas esta não é uma questão fechada) que há pouca distinção entre uma coisa e outra. Não se trata de voltar a Calderón de la Barca e dizer que a vida é sonho. Mas reconhecer que, quando se trata de assumir uma multiplicidade de papéis sociais, talvez os atores profissionais estejam em melhor posição do que os simples amadores, que somos todos nós. Bertrand Blier é diretor de filmes provocativos como Meu Marido de Batom e "Linda Demais para Você". Não nega a veia crítica nesse filme tão estranho quanto divertido. Os Atores (Les Acteurs). Comédia. Direção de Bertrand Blier. Fr/2000. Duração: 103 minutos.

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