Bille August faz biografia acadêmica de Mandela

Diretor dinamarquês de Pelle, o Conquistador foi vaiado no Festival de Berlim por filme com os atores Dennis Haysbert, Diane Kruger e Joseph Fiennes no elenco

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Por Agencia Estado
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Duas vezes vencedor da Palma de Ouro, por Pelle, o Conquistador e As Melhores Intenções, Bille August, em seus melhores momentos, mostrou toda a força de um narrador clássico. Em Berlim, onde ele participa da competição pelo Urso de Ouro, August está mostrando que o classicismo virou academismo no estilo de Richard Attenborough, até porque seu novo filme se baseia na história real de Nelson Mandela, filtrada pelo olhar do homem que, por quase três décadas, foi seu carcereiro. Boas intenções nem sempre levam aos melhores resultados e Goodbye Bafana, embora tenha uma história bonita - de como Mandela e o guarda estabeleceram uma relação de respeito e até de solidariedade -, dilui sua intensidade em escolhas narrativas que o banalizam. À parte o respeito que o tema merece, o filme é decepcionante e só entra na disputa se o júri presidido por Paul Schrader quiser comprar uma briga com a imprensa mundial. Houve vaias no fim da sessão de Goodbye Bafana, repetindo o que já havia ocorrido com o filme de Steven Soderbergh, o Bom Alemão. O concorrente brasileiro, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, foi muito aplaudido na sessão de imprensa e mais ainda na oficial. Mas se você for ao quadro de cotações da Berlinale, terá uma surpresa - O Ano e o Bom alemão estão empatados com a nota 1,88 (num máximo de cinco) e ambos perdem para The Good Shepherd, de Robert De Niro, com 2,55. De Niro fez um filme depressivo, mas bom, usando a criação da CIA para debater questões geopolíticas, relativas à hegemonia dos EUA no mundo. Mas isso é só metade de seu segundo filme, que retoma os conflitos familiares do anterior, A Bronx Tale. Pode-se abordar muitos temas em The Good Shepherd - confiança, família, espionagem -, mas você até fica em dúvida se tudo isso faz mesmo sentido. O Bom Pastor começou há 12 ou 13 anos como um projeto de Francis Ford Coppola, que o abandonou. Talvez seja um legado de Coppola que o mundo da espionagem (e da CIA) seja visto como uma estrutura familiar e tão criminosa quanto a Máfia de O Poderoso Chefão, mas De Niro, mesmo tendo trabalhado nos últimos nove anos no projeto, parece a pessoa menos indicada para defendê-lo. Sua entrevista coletiva foi anticlimática - havia jornalistas pendurados no teto -, mas De Niro, obstinadamente, esmerou-se em esvaziar todo o conteúdo político de seu trabalho. Contra todas as evidências, ele diz que não fez o filme para criticar a CIA nem o governo americano, usando o quadro dos anos 40 e 50, quando das ruínas da 2.ª Guerra surgiu um novo mapa do mundo, para falar dos EUA sob George W. Bush. Sua escolha foi sempre determinada pela humanidade dos personagens. Desde que leu o roteiro, ele ficou acuado por imagens que passaram a persegui-lo e que queria colocar na tela. Trilogia É verdade que as perguntas da imprensa mundial não animavam muito - vamos ver esta semana como será o encontro com De Niro num pequeno grupo de jornalistas. De tudo o que ele disse, o mais interessante foi que, a exemplo de Coppola (e do Chefão), ele gostaria de transformar a saga do Bom Pastor numa série de três filmes. O primeiro termina com a tentativa frustrada de invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, em 1961. De Niro gostaria de estender a narrativa, num segundo momento, até 1989 (e a queda do Muro de Berlim), tratando do mundo pós-11 de Setembro num terceiro episódio. Se depender do ator Matt Damon, que centraliza o relato do Bom Pastor, o acordo já está selado. A questão é: De Niro levará mais nove anos para fazer cada um? No sábado à noite, o festival reservou uma bela surpresa para seus convidados. Há uma retrospectiva que se chama City Girls, Garotas da Cidade. Mostrou It, antigo filme (de 1927) com a lendária Clara Bow, que se revelou uma mulher moderna, muito adiante de sua época e mais sintonizada com os padrões contemporâneos. Na sexta à noite, uma sessão especial, em presença de Barbara Sukowa e Hanna Schygulla, mostrou duas horas da versão restaurada de Berlim Alexanderplatz, em homenagem a Rainer Werner Fassbinder (1945-1982), no 25.º ano de sua morte. O concorrente italiano - In Memoria di Me, de Saverio Costanzo, o mesmo diretor de Invasão de Domicílio, barrado no Oscar há um par de anos por ser falado em palestino merece atenção. Em princípio, nada mais diferente daquela história do que a do seminarista que dá seus primeiros passos no mundo da Igreja. Tem a sedução pelo espaço fechado e discussão da religião como ponto de atrito In Memoria di Me é bom. Seu intérprete, o búlgaro Christo Jovkov, é mais que bom - é ótimo e, desde logo, um forte candidato para o prêmio de interpretação.

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