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Bielinski é sensação do novo cinema argentino

Seu filme de estréia, Nove Rainhas, teve 1,4 milhão de espectadores. Foi a quarta maior bilheteria de toda a história do cinema de seu país, mas o sucesso aflige

Por Agencia Estado
Atualização:

Ele é a nova sensação do cinema argentino. Fabián Bielinski passou rapidamente pela cidade. Chegou na quinta de tarde e foi embora hoje. Voltou para Buenos Aires. Veio apenas para prestigiar a abertura da 3ª Semana de Cinema: Brasil & Independentes, inaugurada, na quinta à noite, para convidados, com a exibição de Nove Rainhas. O filme estréia dia 15 na cidade. Na Argentina, seu sucesso transformou o estreante Bielinski no homem do momento. Com 1,4 milhão de espectadores, foi o filme mais visto no país no ano passado e a quarta maior bilheteria de toda a história do cinema argentino. É pouco comparado aos mais de 10 milhões que Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, fez no Brasil. Mas a comparação não procede. A Argentina é um país que possui "apenas: 30 milhões de espectadores. Lá, um filme que faça mais de 100 mil espectadores já é considerado um sucesso. Imagine o 1,4 milhão que Bielinski alcançou. É ótimo, é maravilhoso, mas, para ele, também é assustador. A cifra espetacular cria uma cobrança muito grande em relação ao próximo trabalho do diretor. Bielinski sabe que vai decepcionar, pois acha muito difícil repetir o que para os argentinos é um fenômeno. Mas prefere decepcionar os outros, mantendo-se fiel a si mesmo. "Não fiz Nove Rainhas pensando em ganhar todo esse público; o filme não é resultado de nenhuma estratégia de marketing; era o filme que eu queria fazer e ocorreu de ser o filme que o público quis ver." É a história de dois trapaceiros que trabalham nas ruas em troca de alguns pesos e que, de repente, se vêem envolvidos num grande negócio. A trama é engenhosa, cheia de reviravoltas e converge para o chamado ´final surpresa´, um tanto cínico - e que Bielinski pede que o repórter não conte, para não prejudicar o impacto que poderá ter sobre o público. Na Argentina, criou-se uma polêmica. O filme retrata o vale-tudo da luta pela sobrevivência e o público começou a ver Nove Rainhas como a expressão da vida nacional, hoje. Será a Argentina, como mostra o filme, um país de oportunistas e trambiqueiros? "Não fiz Nove Rainhas como um comentário social sobre a Argentina na atualidade, mas reconheço que o filme se presta a essa discussão", diz o diretor. Ele acrescenta que não é só a Argentina. Onde quer que o filme seja exibido, na América Latina, as pessoas tendem a dizer que aqueles aproveitadores são muito parecidos com os que agem nos próprios países. Já em Nova York, onde Nove Rainhas foi exibido num festival de novos diretores, Bielinski não sentiu esse tipo de leitura. Lá o filme foi discutido e admirado por sua engenhosidade cênica. É o que ele queria. Formado em cinema, assistente de direção em filmes publicitários, Bielinski escreveu Nove Rainhas para o concurso de roteiros promovido pela empresa Patagonik. O prêmio era justamente a produção do filme baseado no script vencedor, que o próprio roteirista poderia dirigir, ou não. Bielinski inscreveu Nove Rainhas para ganhar e ele próprio dirigir. Foi o que ocorreu. Ele confessa que é atraído pela marginalidade urbana. Seu filme às vezes parece um manual para golpistas, mas ele prefere acreditar no contrário - vai ajudar as pessoas a serem mais espertas, percebendo os golpes que querem lhes aplicar. Para ele, como para qualquer pessoa sensata, é fundamental que países como Argentina e Brasil abram os respectivos mercados para a produção dos países vizinhos. A semana dos independentes é um passo. "Os mercados nacionais não são suficientes para tornar nossas produções viáveis, economicamente; precisamos ampliar mercados para fazer frente à avassaladora presença de Hollywood." Na Argentina, o fomento à produção é feito pelo Ente Nacional de Cinematografia, o instituto de cinema deles, que libera verbas para produção a juros subsidiados. Esse dinheiro vem de uma taxa cobrada sobre o ingresso vendido e o instituto arrecada um bom dinheiro. O problema é que o governo, em vez de repassar a verba para os produtores e diretores, prefere tomá-la emprestado. Cria-se um estado de beligerância entre as partes. Bielinski credita boa parte do êxito do filme ao elenco. "Não sabia que trabalhar com atores era tão difícil; a sorte é que tive atores maravilhosos." Refere-se a Ricardo Darin, Gastón Pals e Leticia Brédice, considerada a nova deusa argentina. Acha que Gastón Pals, que faz Juan, tem uma cara tão íntegra, tão ingênua que isso contribui enormemente para o elemento surpresa no desfecho. A acusação de cinismo não lhe incomoda. "Não foi uma coisa calculada para expressar um posicionamento político; foi, isso sim, a solução que me pareceu mais atraente, até pelo inesperado, da história que queria contar." Pode-se conversar horas sobre cinema com ele. Bielinski foi assistente de Eliseo Subiela (em No Te Mueras sin Decirme adonde Vas). Admira o cinema de ação de Rodolfo Aristarain (Os Últimos Dias da Vítima), respeita Leopoldo Torre Nilsson com seu universo muitas vezes próximo de Jorge Luis Borges, embora o ache irregular. A surpresa é quando ele considera o quase desconhecido, no Brasil, Leonardo Favio, o maior diretor de toda a história do cinema argentino. "Os primeiros filmes dele, Cronica de un NiÏo Solo, Este Es el Romance de Aniceto y la Francisca e El Dependiente, representam um bloco de notável criatividade e coerência", diz. A expectativa é que a sala latina do complexo Unibanco Arteplex, que será inaugurada ainda este mês, no Shopping Frei Caneca - uma criação de Adhemar Oliveira, idealizador da semana dos independentes, e Leon Cakoff, da Mostra Internacional de Cinema São Paulo -, ajude a divulgar não só esse autor extraordinário, mas outros aos quais o público paulista merece ter acesso.

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